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Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

Não é preciso ser muito perspicaz para constatar o que Heráclito constatou

Não nos banhamos duas vezes na mesma água de um rio porque nem o rio nem nós somos mais os mesmos

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“Ninguém pode banhar-se duas vezes na mesma água de um rio”, disse Heráclito. Dois milênios e meio depois, ainda nos lembramos das suas palavras, que aliás confirmamos: de fato, ninguém se banha duas vezes na mesma água —e, aqui para nós, ainda bem.

Em princípio, a água já ficou suja do primeiro banho. Não seria muito higiênico. Mas, sendo uma observação correta, não é propriamente surpreendente: as águas do rio correm sem parar, e portanto são sempre outras.

Não é preciso ser especialmente perspicaz para constatá-lo. Digno de nota e causador de surpresa seria se Heráclito tivesse naquele dia chegado à ágora e declarado: “Vocês não vão acreditar nisto mas hoje, quando fui ao rio, estavam lá exatamente as mesmas águas nas quais me banhei ontem, de modo que acabei por tornar a banhar-me nelas”. Essa, sim, seria uma ocorrência que valeria a pena lembrar 2.500 anos depois.

Mães diriam aos filhos, à beira-rio: “Repara, filho, no curso das águas. Como elas fluem constantemente, é impossível alguém banhar-se duas vezes nelas, mas isso qualquer babaca nota. O que é curioso é que, um dia, um senhor chamado Heráclito foi ao rio e encontrou as mesmas águas em que se tinha banhado na véspera. Que incidente estranhíssimo e memorável, não achas, filho?”.

Claro que, como sabemos, Heráclito se referia à transitoriedade das coisas: não nos banhamos duas vezes na mesma água de um rio porque nem o rio nem nós somos mais os mesmos. Não é só a água que muda, nós também.

No entanto, quando se trata de uma piscina, é perfeitamente possível banharmo-nos várias vezes exatamente na mesma água porque a água é, de fato, sempre a mesma.

Além disso, hoje também é possível sermos os mesmos durante algum tempo. Heráclito não conhecia o cloro nem o botox, pormenor que pode ter prejudicado a sua filosofia.

Mas, se concluirmos que agora conseguimos banhar-nos duas vezes na mesma água, Heráclito continua a ter razão, visto que a própria transitoriedade demonstra assim ser transitória —validando a ideia de que tudo flui. Com esses filósofos a gente nunca ganha.

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