Siga a folha

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

Descrição de chapéu

Sempre a mesma pergunta da Netflix: 'continuar assistindo como você?'

Se o serviço providenciasse um modo de eu assistir sem ser como Ricardo, imagino que seria bem mais caro

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Considero muito perturbadora a pergunta que a Netflix me faz constantemente: "Continuar assistindo como Ricardo?". Como assim, continuar assistindo como Ricardo? Que outra alternativa tenho eu?

Se a Netflix providenciasse um modo de eu assistir sem ser como Ricardo, imagino que o serviço fosse bem mais caro. Por outro lado, bastava ter uma série. Já assisti a "Breaking Bad" como Ricardo, vou agora assistir como Dalai Lama. E, depois, como Mozart. Nunca me tinha ocorrido que duas pessoas que assistem à mesma série, na verdade assistem a séries diferentes.

Mas, na impossibilidade de oferecer este serviço aos espectadores, para que serve aquela pergunta? Talvez ela fosse útil para Fernando Pessoa, se ele tivesse Netflix. Continuar assistindo como Fernando? Ou como Álvaro? Ou como Alberto? Ou como Ricardo? Mas, dirigida a usuários que não têm heterônimos, que sentido faz a pergunta? Nenhum. Limita-se a instalar no espectador esse desejo absurdo de experimentar assistir a programas na pele de outra pessoa. A menos que eu seja a única pessoa no mundo a quem esta pergunta inquieta. Pode acontecer.

E é mais uma razão para eu querer assistir à Netflix como outra pessoa. Assistir como Ricardo cansa-me. E cansa as pessoas que me rodeiam, suspeito. Elas esforçam-se por esconder que isso é assim, mas vão deixando pequenas pistas, como quando dizem: "É insuportável assistir à Netflix contigo".

Publicada neste sábado, 21 de agosto de 2021 - Luiza Pannunzio/Folhapress

Essa costuma ser a reação geral quando eu, assistindo como Ricardo, faço perguntas tais como: por que é que o criminoso gastou tanto dinheiro num relógio bem grande, para mostrar quanto tempo falta para a bomba rebentar? E por que é que a construiu com fios de várias cores, para que a polícia possa escolher qual deles cortar e assim desativar o engenho? Por que não construir uma bomba só com fios pretos? Uma coisa sóbria e profissional, que ponha o herói verdadeiramente à prova, e o impeça de cortar o fio cuja cor lhe lembra a camisola que a mulher, ou a filha, ou a mãe tinha vestida quando ele saiu de casa e que evidentemente é o que evita a explosão.

E acontece ainda que, quando aparece a pergunta "continuar assistindo como Ricardo?", por vezes eu faço experiências com a pontuação, e leio: "continuar assistindo. Como Ricardo?", de modo a fazer parecer que o que a Netflix está de fato a anunciar é que vamos continuar assistindo, ao mesmo tempo que pede autorização para me comer. Não há dúvida de que é um fardo pesado, assistir como eu.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas