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Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

Precisamos parar com a retórica de que aquecimento global é um problema futuro

Mudança climática já é realidade e só vai piorar se não fizermos nada

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Um dos legados do período inflacionário no Brasil é que algumas gerações descontam o futuro de forma hiperbólica, já que aprenderam a se planejar. O legado inflacionário explica, em parte, até mesmo por que nosso sistema político não consegue lidar com problemas estruturais da nossa sociedade.

Desconto hiperbólico se refere ao padrão de se importar mais com o futuro próximo do que com o longo prazo. No Brasil, a memória da inflação, mesmo que seu pico tenha sido há mais de um quarto de século, ainda molda várias das nossas interações econômicas (quem nunca comprou algo em 4 ou 10 vezes sem juros?).

Quando a inflação estava fora de controle, o longo prazo não importava. Na época do gatilho salarial, não dava para se planejar, pois não se sabia nem mesmo quanto se iria ganhar no mês seguinte.

Desconto hiperbólico também ajuda a explicar nosso amor por tijolo, curto-prazismo em relação a investimentos e até mesmo relutância em comprar títulos públicos de longo prazo, mesmo que remunerem bem.

Hoje em dia, nada reflete mais nossa incapacidade de planejamento de longo prazo do que a forma com que lidamos com mudanças climáticas no país.

Até a idealização dos efeitos do aquecimento global está errada e causa obstáculos concretos para a descarbonização da economia global. Riscos ambientes são sociais e não são riscos futuros, com as quais poderemos lidar depois. Mudanças climáticas geram desigualdade de renda hoje.

Somente nos últimos dias, enchentes em Zhenghzhou, na China, e em várias cidades da Alemanha causaram perdas gigantescas. No caso da cidade chinesa, foram 617 mm de chuva em três dias, algo próximo do esperado para todo o ano (640 mm), evento que poderia acontecer aleatoriamente, mas provavelmente foi influenciado por mudanças climáticas.

Os efeitos dos dilúvios vão cair muito mais sobre os mais pobres, que têm menos recursos para reconstruir a vida e normalmente não têm apólices de seguro contra catástrofes naturais.

Já estive com muitos agricultores que relatam dificuldades com plantio e colheita. "Passei 30 anos sabendo quando deveria plantar para colher em outubro", me disse um fazendeiro, "mas hoje ainda estou tentando me adaptar à imprevisibilidade do clima no Brasil."

O aquecimento global exacerba desigualdades sociais, pois as áreas ricas sempre vão ter mais recursos para se proteger de possíveis eventos climáticos que regiões mais pobres. Não é à toa que o governo da Flórida está estudando criar diques de contenção no oceano para impedir o alagamento de Miami. Nem toda forte chuva é resultado da destruição ambiental, mas está claro que elas estão se tornando mais comuns.

Na escala geológica, somos para o planeta como joaninhas são para a gente, inofensivos. Claro que já causamos a extinção de milhares de espécies, mas a letargia em responder aos desafios do aquecimento global afeta hoje muito mais quem é pobre.

Aquecimento global gera desigualdade de renda. O planeta Terra não se importa conosco e, para que haja coordenação de políticas ambientais, é preciso entender que a principal espécie que pode sumir pelo nosso descaso é uma espécie de primatas conhecida como Homo sapiens.

Precisamos parar com a retórica de que aquecimento global é um problema futuro. Não. Já é realidade e só vai piorar se não fizermos nada. Vamos continuar descontando o futuro hiperbolicamente e ignorando o longo prazo?

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