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Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

Futebol é metáfora

Como um velho símbolo se atualiza no Brasil de Neymar e Bolsonaro

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O futebol é a mais batida das metáforas da vida brasileira. Caso houvesse dúvida até então, Lula e sua fixação na retórica boleira decidiram a partida —antes que o ex-presidente fosse expulso de campo pelo juiz que metade das arquibancadas chama de ladrão.

Se ninguém nega que o panorama político é um Fla-Flu, deve-se reconhecer que tanto o futebol quanto a "vida nacional" passam por um momento em que as velhas correspondências entre símbolo e realidade exigem atualização.

Sim, o jogo de bola salva nossa compreensão do mundo aos 45 do segundo tempo, quando a derrota cognitiva já parecia inevitável. Mas de que futebol estamos falando mesmo? 

Uma seleção brasileira vestida de manifestante pró-Bolsonaro empatou em 0 a 0 com a Venezuela numa Copa América disputada em casa. Há cinco anos, a mesma seleção sofreu, também em casa, o maior vexame da história das Copas do Mundo. 

Nosso principal jogador, o único da atual geração que pode (podia?) ser chamado de genial, está fora da Copa América, vítima de contusões no corpo, na alma, na imagem pública etc. Há sinais de que o Brasil pode ter perdido a paciência com Neymar e este, o bonde da história. Veremos.

O Mineiraço, o inferno pessoal do último supercraque e o pântano político em que o país atolou não têm relação objetiva entre si, mas no plano da metáfora se adoram. 

Bolsonaro, que na retórica pessoal se inclina por símiles de casamento e sexo, sabe bem disso. Não à toa gosta de vestir camisas de clubes em série e foi correndo visitar Neymar.

As tretas do craque espelham a qualidade do futebol jogado por clubes e seleção, e ambas dialogam com o sequestro da amarelinha e com o pessimismo que nos assola: nunca resolveremos o quebra-cabeça de um país moldado na forja maldita da escravidão?

Nesse jogo simbólico, tudo parece emanar do 7 a 1, sol ao contrário do qual pouco falamos. O silêncio relativo comprova sua potência. Rimos, fingindo que mal doeu. Mas como não doeria uma ferida tão funda no maior esteio de orgulho que o Brasil conseguiu construir?

Neste país temos, sabe-se, um problema de autoestima. Ou nos sentimos os melhores do mundo ou os piores do universo. Vamos com rapidez maluca de 100 a menos 100, de futura superpotência miscigenada e maneira a purgatório de injustiça e violência no porão do mundo.

O futebol nos fascina porque atende a essa bipolaridade: com exceção dos jogos de azar, poucos modelos lúdicos possibilitam que, num único lance fortuito, o jogador passe de eliminado a classificado, de campeão a derrotado, de glorioso a digno de pena. Além de tênue, a linha divisória entre inferno e céu é aberta de mil formas ao acaso.

Resta torcer para que, em alguma dessas voltas da bola, a gente tenha a chance de visitar outro tema caro ao imaginário do futebol: a virada heroica, a transformação inverossímil de derrota certa em vitória surpreendente. Quem sabe? O relógio joga contra.

Troquei mensagens com o grande Clóvis Rossi, um dos caras mais gentis e generosos que conheci no jornalismo, dois dias antes de sua morte. Estava animado com sua recuperação e se preparava para retomar a coluna. Perguntou se microinfarto tem hífen (não tem). Ocupado na hora, fiquei de conferir depois no dicionário e acabei demorando demais a voltar com a resposta. Desculpe o furo, Clóvis. Obrigado por tudo.

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