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Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.

50 anos do golpe no Chile coincidem com ascensão da ultradireita

Crise política e polarização amarraram as mãos de Gabriel Boric, que busca não melindrar demais setores opositores

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Em recente entrevista à rede CNN, uma das filhas de Salvador Allende (1908-1973), a senadora Isabel Allende —não confundir com a escritora homônima, que tem outro grau de parentesco com o líder socialista— afirmou que, no aniversário de 40 anos do golpe de Estado, o então presidente Sebastián Piñera, de direita, pôde dar uma mensagem muito mais clara de reforço à democracia e rejeição da ditadura militar do que o atual líder, o centro-esquerdista Gabriel Boric, tem conseguido.

"Boric está pedindo uma revisão crítica do governo da Unidade Popular [coalizão de Allende], puramente por conta da pressão da oposição", disse a senadora, cujo último abraço em seu pai ocorreu poucas horas antes do bombardeio do La Moneda, em 11 de setembro de 1973.

Fotos de desaparecidos políticos da ditadura militar no Chile projetadas no Palácio La Moneda, sede do governo na capital do país, Santiago, no dia em que o presidente Gabriel Boric anunciou plano de buscas - Javier Torres - 30.ago.23/AFP

A proximidade dos 50 anos dos atos que recordam o ataque ao icônico edifício em Santiago, o suicídio de Allende, o fim do projeto de chegar ao socialismo pela via democrática e o início de uma cruel ditadura militar que se estendeu até 1990 acentuou a polarização chilena.

Boric enfrenta problemas em várias frentes, como as reformas que não tem conseguido aprovar por conta de um Congresso opositor, a tentativa de reescrever a Constituição que está tomando rumo diferente do desejado, além de conflitos no sul, com os mapuche, e no norte, com o aumento do fluxo de imigrantes da Venezuela.

O cinquentenário de uma das maiores tragédias da história do país ocorre justo no momento de maior influência da direita e da ultradireita chilenas desde o fim da ditadura.

Boric buscou emitir mensagem muito clara de reforço à democracia e rejeição às violações de direitos humanos cometidas no período. Mas os primeiros entraves foram colocados pela própria esquerda do Partido Comunista, crítico ao giro ao centro que o governo deu buscando uma conciliação nacional.

A histórica sigla fez enorme pressão para que o presidente retirasse a nomeação do jornalista Patrício Fernández, de centro-esquerda, do comando das atividades sobre os 50 anos do golpe. Fernández, um progressista que lançou um jornal, o The Clinic, justamente de crítica ao pinochetismo, pareceu ao PC um nome demasiado brando.

Boric, então, entregou as celebrações a distintos ministérios. Espera-se um ato simbolicamente grandioso, com programação intensa. Entre as atividades estão um abraço ao La Moneda, uma marcha de mulheres e um evento no Estádio Nacional com velas para recordar os que estiveram presos ou morreram no local.

Para o evento principal devem estar presentes os presidentes AMLO (México), Alberto Fernández (Argentina) e Gustavo Petro (Colômbia), entre outros. O presidente Lula (PT) foi convidado, mas sua viagem à Índia por conta do G20 deve impedi-lo de estar presente.

Ainda com a grande festa encomendada e as recentes medidas tomadas pelo governo pelo esclarecimento da verdade e pela busca de pessoas desaparecidas, a crise política amarrou as mãos de Boric nessa comemoração. Com o partido do ultradireitista José Antonio Kast dominando a Assembleia Constituinte e a direita em geral com a maioria no Congresso, Boric busca não melindrar demasiado o setor.

O presidente chileno havia pedido a todas as forças políticas que assinassem a declaração conjunta "Pela Democracia, Hoje e Sempre". Nem o PC nem a direita o farão. Nos últimos meses, congressistas de direita relativizaram as crueldades cometidas por Pinochet.

É uma pena que não seja possível separar a memória de uma data trágica e seus mais de 3.000 desaparecidos da turbulenta política atual.

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