A poucas semanas da eleição dos membros do próximo Conselho Constitucional no Chile —a nova Assembleia Constituinte—, Gabriel Boric caminha com cautela para manter o espírito transformador de seu governo sem desagradar à sua base de apoio, à esquerda, e, ao mesmo tempo, fazendo um giro conciliador à direita.
As regras para a redação e a aprovação da nova carta, que substituiria a vigente, do período ditatorial (1973-1990), e é fruto de um pedido de parte da sociedade nas manifestações de 2019 e na própria eleição de Boric, mudaram. A ideia é evitar que o novo texto seja rejeitado, como ocorreu em 4 de setembro passado. Para isso, foram feitas várias concessões à direita, hoje maioria no Congresso local.
A primeira delas é que os partidos políticos estarão mais presentes e se evitará que se escolham tantos legisladores independentes. Tampouco haverá uma cota fixa para representantes indígenas.
Os novos constituintes, que serão eleitos nas urnas em 7 de maio, desta vez não partem do zero. Eles trabalharão a partir de um rascunho realizado por um comitê de 24 especialistas escolhidos entre o Senado e a Câmara. A nova versão do texto passará pelo crivo popular, em um plebiscito de voto obrigatório marcado para 17 de dezembro.
Durante seu mandato, o conselho também será acompanhado por um comitê de juristas escolhido pelo Congresso. Ou seja, trata-se de um trabalho muito mais tutelado, uma vez que já se rejeitou a proposta formulada por um grupo de legisladores mais independentes e vistos pela opinião pública como vinculados a pautas tidas como identitárias.
A própria atuação de Boric está mudando. Não apenas porque o presidente necessita que uma nova Carta seja aprovada, como porque necessita reverter a tendência de queda de sua popularidade.
Um gesto ilustrativo do "novo Boric" ocorreu recentemente quando ele convidou os ex-presidentes Sebastián Piñera, Michelle Bachelet e Ricardo Lagos para que o acompanhassem no funeral de um carabinero (policial) morto em serviço. Apenas no último mês, foram três policiais assassinados.
A ideia era mostrar que o Estado está preocupado com o aumento da violência no país. Boric abraçou a viúva do carabinero Daniel Palma e chorou junto com ela em frente às câmeras.
Quem acompanha sua trajetória sabe como Boric sempre foi crítico à ação policial, tinha planos de reformar a instituição, posicionou-se a favor de indultos de manifestantes presos e colocava-se na dianteira das acusações a carabineros que violavam os direitos humanos.
Agora que o Chile mostra um aumento na taxa de homicídios —embora em níveis muito menores que a média da América Latina—, de roubos e de sequestros, Boric partiu para o reconhecimento do trabalho policial. Um pacote de medidas contra a delinquência proposto por ele recebeu apoio de mais de 80% da população, segundo o instituto Cadem.
O que Boric busca é um lugar inédito na história do Chile: o de um personagem nascido dos protestos de esquerda, mas que se adaptou à institucionalidade e amadureceu como líder político ao abraçar parte da agenda da direita democrática, ao mesmo tempo em que se mostra crítico dos excessos contra os direitos humanos de modo transversal na região —é, afinal, o líder mais enfático contra as ditaduras de esquerda de Nicarágua, Cuba e Venezuela— e que mais se posiciona a favor da Ucrânia diante da invasão russa.
Seus esforços serão eficientes e reconhecidos pela sociedade chilena? Em poucas semanas, as urnas darão parte da resposta.
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