Por mais absurda que essa situação seja, existem hoje milhares de pessoas no serviço público recebendo supersalários. Em dezembro de 2019, por exemplo, os 400 desembargadores paulistas ganharam salários entre R$ 90 mil e R$ 150 mil. A escala disso é tão grande que estima-se que o corte de todos os supersalários poderia poupar R$ 2 bilhões para os cofres públicos todos os anos.

A recente decisão do STF de ressarcir uma desembargadora aposentada e ex-ministra baiana em meio milhão de reais trouxe à tona uma realidade que poucas pessoas conhecem.

O valor seria uma compensação pelos descontos que ela teve na folha de pagamento para que o teto salarial fosse respeitado, enquanto ela acumulava a aposentadoria de desembargadora (R$ 30 mil) com o salário de outros cargos: primeiro secretária especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do governo federal (R$ 15 mil) e depois ministra de Direitos Humanos (R$ 30 mil).

Ainda que se argumente que ela estaria trabalhando de graça caso não recebesse pelas duas funções simultâneas, teto é teto, e deveria ser respeitado em todas as circunstâncias.

Situações como essa só são possíveis graças a maracutaias jurídicas e um corporativismo exacerbado.

Os supersalários são resultado do lobby articulado de organizações de classe que se beneficiam há muitos anos de brechas na legislação.

Por isso mesmo, não vejo melhor momento para pormos um fim a esse debate do que agora, quando cada real mal investido pode custar uma vida. Chegamos ao patamar de 200 mortes por Covid-19 por dia, o que equivale a um avião de grande porte caindo todos os dias. Diante de uma tragédia como essa, seria desumano continuar defendendo algo que é, no mínimo, uma piada de mau gosto em um país em que metade da população não tem acesso a saneamento básico.

Já existe no Congresso um projeto de lei que pretende acabar com os supersalários. Mas, para ganharmos essa batalha, precisaremos do engajamento e do apoio de toda a população. Se existe um momento para combatermos com força todos os tipos de privilégios, esse momento é agora.