Siga a folha

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

Descrição de chapéu China

Diário de Wuhan e o ultranacionalismo nas redes chinesas

Franqueza da prosa de Fang Fang atraiu seguidores e detratores

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

25 de janeiro de 2020. Fang Fang começa a escrever um diário online. Dois dias antes, Wuhan havia decretado "lockdown" para conter um vírus misterioso que se espalhava rapidamente, lotava hospitais e fazia vítimas.

Trancada em seu apartamento, a moradora de Wuhan compartilhava impressões e angústias em seus escritos. Seu diário viralizou em toda a China. Muito esperavam para ler seu relato cotidiano antes de dormir.

No auge, estima-se que cerca de 50 milhões de pessoas tenham lido um dos textos de Fang Fang, que foram postados até o fim do "lockdown", 76 dias depois de instaurado.

Bandeiras da China no chão durante marcha contra lei de segurança nacional em Hong Kong - Tyrone Siu - 1º.jul.20/Reuters

Fang Fang foi o pseudônimo adotado por Wang Fang, escritora premiada na China. Seu talento literário ajudou a popularizar o diário. Mas foi a franqueza de sua prosa que atraiu seguidores. E detratores.

Escrevendo no calor dos acontecimentos, Fang Fang reconhecia acertos e criticava erros do governo. Em março, demonstrou indignação quando, numa visita de autoridades à cidade, o governo pediu que os habitantes de Wuhan expressassem gratidão e reconhecimento.

Deveria ser o contrário, disse ela. O povo, trancado em casa, é que merecia agradecimento.

Para seus detratores, Fang Fang é vista como traidora por oferecer munição aos críticos da China. Por, digamos, falar mal da família, especialmente fora de casa.

Para alguns, Wang Fang escreve ficção, sua especialidade. Teria inventado e floreado a partir de boatos. Alguns chegaram a sugerir que seu diário teria sido encomendado por estrangeiros.

A ira de ultranacionalistas chineses ganhou outra dimensão com a notícia de que o diário seria publicado no exterior como um livro. “Diário de Wuhan”, em inglês, começou a ser comercializado há poucas semanas.

Em algum momento enquanto publicava seus relatos, a conta de Fang Fang no Weibo, o equivalente ao Twitter na China, foi bloqueada. Uma amiga passou a postar seus textos, que seguiam se espalhando informalmente.

Ao mesmo tempo, um tsunami de cibernacionalismo atingiu Wang Fang e seu livro nas redes sociais chinesas. A hashtag para Fang Fang teve mais de 900 milhões de visualizações e 276 mil comentários no Weibo, a maioria deles hostis à escritora, segundo o jornal South China Morning Post. Wang Fang foi ameaçada de morte.

Não surpreende que o diário de Fang Fang tenha se tornado alvo dos netizens chineses —mesmo que, francamente, o livro esteja longe de ser desastroso para a imagem da China.

Impulsionado por jovens vocais, o nacionalismo chinês nas redes é especialmente afiado quando se trata de política externa e de temas relativos à imagem da China no exterior.

Neste contexto, a pandemia tem contribuído para inflamar os ânimos da internet chinesa. Nacionalistas reagem de maneira implacável a críticas vindas do exterior a respeito de como o país geriu o início do surto.

O governo cultiva o sentimento patriótico ao promover sua resposta firme à crise —e se beneficia do nacionalismo que brota na internet.

Mas, se o bullying cibernético ao livro de Wang Fang for um bom indicador, Pequim deveria se preocupar é com o risco de o ultranacionalismo fugir ao controle.

Na dose errada, o nacionalismo torna-se aposta perigosa. Divide e polariza. Pode afetar a estabilidade e a harmonia social pelas quais Pequim tanto preza.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters