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Pequenas enormes violências

Uniu meus seios, aglutinando-os com veemência

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Hoje pela manhã fui fazer uma mamografia, exame configurado com distinção no top 3 piores dores que uma mulher pode sentir na vida. Para quem não sabe, a compressão do aparelho transforma, em segundos, qualquer mamilo em uma dessas rodelas de massa pronta de pizza de frigideira.

Não bastasse isso, você ainda precisa posicionar com vigor seu corpo para o lado oposto ao seio esmagado, como se tentasse sair pela esquerda para se livrar de uma ratoeira que capturou apenas a sua teta direita.

Faço o exame regularmente, mas jamais vou me acostumar ao nível de dor a que ele submete as mulheres. Se fosse necessário esmagar as bolas de um camarada com aquele compressor, já teriam inventado uma sacografia por reconhecimento facial. Naqueles segundos em que prendo a respiração, a pedido do técnico da radiografia, posso jurar que as dores do parto são brisas outonais.

Contudo, este não é um texto sobre a violência "sofrida" em um bom laboratório. Tenho mais é que agradecer a mocinha gentil que me deu um roupão salmão e um lencinho para as lágrimas. O que eu queria entender ali, durante o padecimento excruciante, era o que ele me trazia à memória. Por que estava me sentindo tão desabitada, exposta e com o estômago embrulhado?

Na mesma hora comecei a cantarolar a música "Voltei pra mim", da Marina Sena. "Cê sabe o que é bom. Onda do mar. Só quero te ver assim...". Quanto mais eu repetia os versos vibrantes da canção, mais aumentavam a minha indignação e o meu ódio.

Saí do laboratório intrigada e fui puxando o fio da história. A canção foi hit há mais ou menos três anos, período em que eu estava no auge da vitalidade, da criatividade e da alegria suprema (eu estava em mania). Então cheguei ao advogado Augusto (nome fictício; mentira, é esse nome mesmo), uma paixão fulminante, dessas que duram duas horas e 15 minutos. Eu tinha acabado de me separar e, hoje concluo, o luto me pareceu tão insustentável que me atraquei com o primeiro Augusto que apareceu na rua.

Terceiro dia de tórrido nada, Augusto olhou minhas belíssimas tetas maduras, que amamentaram por mais de um ano, e teve uma ideia em nome de sua confessa parca e falha ereção: uniu meus seios, aglutinando-os com veemência, como fazem esses sutiãs que transformam o tórax feminino em bundas duras, os levantou até onde imaginou que um dia estiveram cerca de duas décadas atrás e pediu: "Tem como você segurar assim um pouco?".

Ele queria fazer uma espécie de "air sutiã de ferrinho com bojo"? Eu dei risada, achei que era algum fetiche estranho tipo "Tenta colocar o queixo na orelha pra mim e segura assim?". As violências mais sutis nunca são óbvias na hora. É preciso, três anos depois, sentir um incômodo abissal em uma mamografia, cantarolar Marina Sena e lembrar de Augusto e de sua já advertida parca e falha ereção. Não me ocorreu que, apesar de seus 55 anos, ele tinha acabado de terminar uma relação com uma garota de 25 anos. E que, duas semanas depois de mim, engataria outro romance com uma jovem de 21 anos.

A beleza de seios malemolentes, desafogados, malcriados, folgados, traquejados, tarimbados. Seios versados que podem encarar alguns homens de meia-idade e dizer verdades. "Você não é tudo isso." "Você não se tornou quem gostaria." "Talvez não dê mais tempo." Esse peito não é pra qualquer um.

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