Siga a folha

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

Ilê Aiyê faz 50 anos como um símbolo de resistência do Carnaval da Bahia

Mergulho nas tradições de matriz africana, bloco de Salvador é uma das maiores referências da cultura negra no Brasil

Assinantes podem enviar 5 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Senzala do Barro Preto ainda está em festa. O bloco afro Ilê Aiyê completa neste ano 50 aniversários. É o bloco de origem afro mais antigo da Bahia, com uma resistência histórica pelas ruas da maior capital africana do país, que é Salvador.

A data foi festejada com toda a pompa e circunstância, com a saída do bloco fundado por Antônio Carlos dos Santos, o Vovô, e Apolônio de Jesus, o Popó do Ilê Aiyê, morto aos 40 anos, em 1992 —sob a bênção de Hilda dos Santos, ialorixá do terreiro Ilê Axé Jitolu, guia espiritual da agremiação e mãe de Vovô.

A história do bloco Ilê Aiyê se confunde com as histórias religiosas e de festejos de matriz africana na Bahia. Há 50 anos, era inimaginável que o bloco duraria tanto tempo. No seu primeiro desfile, em 1975, a imprensa, como o jornal A Tarde, publicou uma reportagem acusando o bloco de racista.

Um dia após o desfile inaugural, que não contou com mais de 200 pessoas —e um Fusca, que desapareceu na avenida—, o jornal estampou a manchete "Bloco Racista, Nota Destoante". Pouco antes, a Polícia Federal da Bahia havia proibido o registro do nome do bloco Poder Negro, alegando ideias de conotações negativas e "alienígenas", além da acusação de "inconcebíveis intenções subversivas", propagada por toda a imprensa da época.

Saída do Ilê Aiyê da Senzala do Barro Preto, no Curuzu, em Salvador - Joá Souza/Divulgação GovBA

Em todo o Brasil, desde os anos 1930, com a criação da Frente Negra Brasileira, em São Paulo, os negros são perseguidos e impedidos de se organizar em clubes e entidades esportivas e recreativas. Nos anos 1970, com a ditadura militar, se aprofundou essa perseguição, com prisões e mortes de lideranças, sobretudo no Rio de Janeiro, onde o movimento black power, ou soul music, inspirado no movimento afro-americano, se tornou ponto de referência e encontro dos negros cariocas e fluminenses.

O Ilê Aiyê surge durante esse contexto histórico e vai se deparar com o racismo mais perverso e violento, sofrido pelos negros após a abolição da escravatura. Na capital baiana, negros não podiam desfilar nos blocos carnavalescos dos brancos nem podiam frequentar seus clubes recreativos.

O jeito foi criar os seus próprios espaços de eventos e diversão. Daí surge a ideia gestada por Vovô e Popó. Ideia acertada que hoje comemora seu cinquentenário –apesar de todos os percalços e entraves, em nome da "ordem social".

Sempre marcado pela resistência, no enfrentamento do racismo, o bloco, formado por cantores, dançarinos e ritmistas, todos negros, desafiou o sistema ao desfilar com símbolos da negritude, usos de tranças, turbantes e roupas africanizadas –o que era associado à marginalidade. Tudo isso atiça ainda hoje a repressão e violência policial, que atemoriza foliões, agredidos com cassetetes e "voadoras" –como registrado por câmeras de segurança durante o Carnaval.

Para reafirmar ainda mais sua ancestralidade, com a identidade afro marcada desde o primeiro desfile, quando tradicionalmente desde da ladeira do Curuzu, em 1976 é criada a Deusa de Ébano, eleita na Noite da Beleza Negra, festa que foge do formato dos concursos de beleza tradicionais, onde se celebra a raça negra e a negritude. Hoje é um dos maiores eventos festivos do Ilê Aiyê, espécie de preparativo do Carnaval baiano.

Nunca vi tanta gente no Carnaval de Salvador nas ruas da cidade. Os principais circuitos –como Barra-Ondina, avenida Sete e Campo Grande (circuito Osmar)– estavam lotados, provocando bloqueios de ruas, sinalizações precárias e apagões de energia, como aconteceu no Barra-Ondina. Lamentável.

"Ilê Aiyê", em iorubá, língua africana muito falada pelos negros escravizados na Bahia durante o Brasil colonial, significa "casa de preto", e o bloco, eternizado como "o mais belo dos belos" do Carnaval –como diz a canção de Adailton Alves de Santana e Valter Farias, celebrada na voz de Daniela Mercury.

Tem se dito aqui que "50 anos não são 50 dias", e com razão. A trajetória do Ilê Aiyê, de muita luz durante esses 50 anos, está traçada e seu caminho está cada vez mais aberto pelo brilho e pela resiliência.

Inspirado no tema "Vovô e Popó, com as Bênçãos de Mãe Hilda Jitolu", o Carnaval negro de Salvador há de se manter como uma das maiores referências do Brasil em termos de folia e africanidade.

Que os cânticos aos orixás e a percussão dos tambores continuem subindo a famosa ladeira do Curuzu, e que não faltem nunca as suas bacias de milho, pipoca e pó de pemba para pedir boas energias para esses e muitos outros carnavais. Viva Oxalá e Obaluaê.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas