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Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

Solano Trindade, nosso moderno poeta negro brasileiro

Como marca do cinquentenário de sua morte, esquecimento e pouca poesia

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Um poeta de passado recente, pouco estudado e menos ainda celebrado por sua divina grandeza, o cinquentenário da morte de Francisco Solano Trindade, transcorrido no mês de fevereiro, passa intocado por qualquer nota de lembrança ou republicação de sua obra poética e teatral.

Brasil é o país das efemérides, mas certas personalidades estão longe de serem lembradas e homenageadas, este é o caso, sem dúvida, de Solano Trindade, cuja vida, de ascensão pela luta e resiliência, chegou onde chegou pelo talento e, antes de tudo o mais, a forma de acreditar em si mesmo e no seu potencial.

Como artista da palavra, sobretudo poeta, dramaturgo e folclorista, Solano Trindade é autor que, embora tenha deixado representativas obras em verso inspirados e livres, de protestos e engajamento político-social, com base na negritude, seus textos literários, com raras exceções, ainda são poucos conhecidos, além de estarem fora do alcance de importantes editoras e livrarias.

O poeta, escritor, cineasta, ator e teatrólogo brasileiro Solano Trindade - Acervo UH/Folhapress

Significativa do ponto de vista da sua produção, a obra literária de Solano Trindade, iniciada em 1944, com "Poemas de Uma Vida Simples", traz nos versos "uma arma, um toque de clarim", como apontou Roger Bastide, em carta ao autor. Em 1958, publica "Seis Tempos de Poesia", certamente, o seu melhor livro, que se soma em estética ao "Cantares ao meu Povo" (1961), livro este de grandes qualidades conceituais, sobretudo pela vazante modernista que lhe transborda, manifesta em versos soltos e sonoros.

Li esses dias dois livros de poesia de Solano Trindade: as antologias poéticas "O Poeta do Povo" (Ediouro, 1999), organizado pelos filhos Raquel Trindade, Godiva Trindade e Liberto Trindade, a partir de Embu das Artes, onde Solano passou boa parte de sua vida e "Poemas Antológicos" (Nova Alexandria, 2011). Estes são livros doces e profundos, onde temos um poeta dedicado ao tema da liberdade, da escravidão, do povo negro e, especialmente, do amor e das mulheres.

Solano Trindade morreu em fevereiro de 1974, portanto, há cinquenta anos.

O poeta pernambucano, nascido no Recife, é injustificadamente uma expressão literária ignorada pelo cânone de nossa grande literatura. Este não posicionamento ao pedestal das letras impõe dor e revolta.

Quando Solano se foi pobre, doente e esquecido, aos 65 anos, eu tinha por volta de 13 anos. De onde eu estava, da janela do meu subúrbio carioca, a notícia da sua morte chegou feito eco distante e pouco nítido.

O poeta, escritor, cineasta, ator e teatrólogo brasileiro Solano Trindade durante entrevista onde fala da falência do Teatro Popular Brasileiro, se não tiver auxílio, em São Paulo (SP) - Acervo UH/Folhapress

Porém, em meados de 1980, a pedido do escritor José Louzeiro (1932-2917), outro gigante adormecido, e Saturnino Braga, então prefeito do Rio de Janeiro, organizei uma pequena antologia, "Tem Gente com Fome e Outros Poemas" (1988), a primeira no gênero, publicada por iniciativa da prefeitura. Tanto Saturnino, quanto Louzeiro, conheceram Solano. No livro, hoje esgotado, conto um pouco da história do poeta e suas relações.

A profundidade dos textos de Solano é espantosa, trazendo grave fundo histórico, ao falar das agruras do povo negro escravizado, operário e livre. Fere também nota filosófica, ao abordar a natureza, a vida, conceitos de beleza e liberdade. Ao falar da luta negra, por exemplo, o poeta é contundente, assertivo, emociona e cativa.

Destaco um trecho dos versos de "Sou Negro", peça incluída em "Poemas Antológicos", onde diz: "Contaram-me que meus avós/vieram de Loanda/como mercadoria de baixo preço/plantaram cana pro senhor do engenho novo/e fundaram o primeiro Maracatu." E adiante: "Mesmo vovó/não foi de brincadeira/na guerra dos Malês/ela se destacou."

Solano Trindade era do Recife, nasceu em julho de 1908, há poucos meses da morte de Machado de Assis. Além de poeta, pintor, viveu intensamente o ativismo político negro. O pai, Manoel Abílio, era sapateiro; a mãe, Emerenciana, quituteira. Com eles, aprendeu as danças e os cantos. Na vida política, participou dos Congressos Afro-Brasileiros, de Recife e Salvador. Com a esposa Margarida, com quem teve quatro filhos, e o sociólogo Edison Carneiro, na década de 1950, fundou o Teatro Popular Brasileiro. Ainda na esteira da dramaturgia, encena "Orfeu", de Vinicius de Moraes, peça logo adaptada para as telas por Marcel Camus.

Morador da cidade fluminense de Duque de Caxias, onde se muda com a família, local também de sua atuação política pelo Partido Comunista, ligado a Luís Carlos Prestes, Solano Trindade tem a vida vigiada pela repressão, até ser preso, mas não deixa de fazer sua arte popular, na "luta por um mundo melhor".

Muitos nomes representativos da época conviveram com o poeta negro, de Abdias Nascimento a Sérgio Milliet e Otto Maria Carpeaux; de Artur Ramos a Fernando Góes, passando por Carlos Drummond de Andrade, que assim se expressou, ao ler "Poemas de uma vida simples".

"A leitura de seus versos deu-me confiança no poeta que é capaz de escrever ‘Poemas do Homem’ e ‘O canto dos Palmares’. Há, nesses versos, uma força natural e uma voz individual, rica e ardente, que se confunde com a voz coletiva".

Solano Trindade é a voz coletiva, é o poeta do povo.

Erramos: o texto foi alterado

A peça "Orfeu" foi adaptada para o cinema por Marcel Camus, não Albert Camus, como afirmado em versão anterior do texto.

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