Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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Descrição de chapéu Olimpíadas 2024

Goleira Lorena diz que derrotas para EUA estão 'no passado' e que Marta em campo cria 'respeito gigantesco'

Considerada a muralha que não deixa o Brasil tomar gol, ela diz que primeiras derrotas nas Olimpíadas foram importantes para que a seleção chegasse à final

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Paris

Reverenciada por suas grandes defesas nos Jogos de Paris, a goleira da seleção feminina de futebol, Lorena, 27, diz que não gostava de ficar no gol quando criança.

A descoberta da habilidade para a posição surgiu por acaso, depois que precisou fazer uma substituição e pegou o primeiro pênalti de sua vida em um jogo de bairro. "Acho que aqui é o meu lugar", pensou.

A goleira Lorena, da seleção feminina de futebol, no hotel onde está hospedada em Paris - Mathilde Missioneiro/Folhapress

Nascida e criada pelos avós em Ituverava, no interior paulista, Lorena conquistou todo o país depois da partida contra a Espanha, em que a atual campeã mundial se viu derrotada por 4 a 2. A vitória garantiu a classificação do Brasil para a final do futebol feminino, neste sábado (10), contra os EUA.

Apelidada por torcedores de "muralha" e "paredão", Lorena diz que a seleção não se abalou com a falta de confiança da torcida no início das Olimpíadas e afirma que as derrotas sofridas foram importantes para o time. "A gente acabou mudando a chavinha, fazendo grandes jogos e chegando à final."

Leia, a seguir, a entrevista exclusiva concedida por Lorena à coluna em Paris, na sexta-feira (9), horas antes da grande decisão.

NO DIVÃ

Chegamos para essa entrevista e observei que todas vocês estão completamente calmas. Aparentam uma serenidade absoluta. É assim por dentro também?
A ansiedade bate em qualquer jogador, né? Mas o esporte vem evoluindo muito, principalmente com a psicologia do esporte. E temos uma psicóloga que nos ajuda a, em vez de ter uma ansiedade ruim, ter uma ansiedade boa, que pode virar confiança.

O INÍCIO DE TUDO

Por que você escolheu ser goleira, que é a posição mais inglória do futebol? Depois que tudo deu errado, você tem que, literalmente, salvar a pátria.
Na realidade, eu não gostava de jogar no gol. Quando eu era criança, queria jogar na linha, ser atacante, fazer gols. Depois fui jogar um pouco mais para trás, ali na zaga.

Na cidade onde eu nasci, em Ituverava, a gente jogava futebol todos os sábados. Juntávamos a galera e fazíamos um campeonato entre nós mesmos. Num sábado desses, a mãe do goleiro não quis deixar ele jogar com a gente. E ninguém queria ir para o gol.

Eu falei: "Eu vou no gol. Mas vocês têm que fazer gol, senão eu vou sair". Acabou que eu fiz algumas defesas no jogo, a gente ganhou.

No outro sábado, fomos disputar uma final, e ele também não pôde ir. Eu peguei o meu primeiro pênalti, todo mundo me abraçou. E eu pensei: "Acho que aqui é o meu lugar".

Você tem 27 anos. Naquela época, ainda existia essa coisa de dizer que futebol não é coisa de menina?
Era um preconceito dos mais velhos, que às vezes olhavam isso de uma forma não muito agradável. Mas os meninos sempre gostaram de brincar com a gente.

Meu avô, José, não gostava muito no começo. Eu jogava escondido dele, porque a minha avó deixava [risos]. Depois que ele entendeu que era o que eu queria, e me apoiou bastante.

Você foi criada por tua avó, Vera Lúcia? Por isso você fala sempre dela?
Meus pais se separaram quando eu tinha um ano e pouco, e fiquei com ela. Se não fosse a minha avó, acho que eu não estaria aqui.

Quando falei "eu quero jogar bola", ela disse: "Vai, tu vai conseguir".

Se não fosse minha avó, eu não estaria aqui. Ela falou: "Vai, tu vai conseguir"

Lorena

goleira da seleção feminina de futebol

NA TRAVE

Como é que é o sentimento de quem está no gol, vendo os problemas do jogo? Dá muita aflição não poder entrar em campo?
O futebol parte muito de uma base de confiança. Nós, goleiros, sabemos que cada atleta vai exercer a função que o treinador pediu.

No gol, temos uma visão privilegiada. Conseguimos ver o jogo todo e dar informações bem pontuais. "Está aberto", "olha o espaço", "fecha um pouquinho mais". Por ter essa visão, conseguimos dar uma ajuda muito grande para a equipe.

Como você consegue dar essas informações? É no grito?
Se eu tenho que falar com a atacante, eu passo para a zagueira, a zagueira passa para o meio e a informação vai adiante. Nos comunicamos dessa forma. Aproveitamos também as pausas para passar informação de uma para a outra.

Você defendeu dois de três pênaltis aqui nas Olimpíadas. Como fica o teu coração nesses momentos?
É que estudamos muito as adversárias, então já sabemos em qual canto ela bate mais, em qual o canto ela bate menos.

Você consegue lembrar do que faz cada uma das jogadoras do outro time?
Sim, a gente estuda bastante as adversárias. Até por ser um momento crucial, quanto mais informações dos adversários a gente tiver, é melhor. Torna a nossa ação mais eficiente. E na hora eu penso que eu vou pegar [risos].

No gol, o espaço que a gente tem que cobrir é muito grande. É um momento que exige concentração.

Por mais que a gente tenha a informação da maior probabilidade de [a jogadora chutar] de um lado, ela pode trocar. Então é um momento de observar os detalhes, o pé de apoio, um jeito de corrida diferente que a jogadora adversária possa fazer.

É um estudo, e tudo é muito rápido. Por isso que a gente treina bastante.

ELAS E ELES

Você vê alguma diferença entre a atuação do goleiro homem e da goleira mulher?
Não, para mim é a mesma coisa. O que diferencia é que os homens têm formação de base muito mais cedo do que as mulheres.

Hoje, o futebol feminino está em evidência, mas ele ainda está crescendo. As categorias de base estão sendo criadas, os clubes estão começando a ter sub-15 e sub-13.

Os homens, já há muitos anos, têm treinador de goleiro desde o sub-7.

A partir de agora, vamos ver um crescimento gigantesco na modalidade em si, porque os clubes estão incentivando, dando apoio. A tendência agora é só crescer.

Os homens se profissionalizam muito cedo, ao contrário das mulheres. Você consegue viver só do futebol?
Sempre vivi só do futebol. Graças a Deus. Mas a diferença salarial [entre homens e mulheres] é gigantesca. É um buraco enorme ainda.

O futebol masculino tem toda uma base. Desde o sub-7 o menino já tem um nutricionista, um psicólogo. Isso faz com que tenha um nível competitivo maior. É o caminho que o futebol feminino está tomando agora.

Quem assistiu ao primeiro Campeonato Brasileiro de 2011 viu times [de mulheres] que entraram [em campo] e tomaram goleada. Hoje, quem assiste ao Campeonato Brasileiro de 2024 não vê mais goleada. É muito difícil, só se acontecer alguma coisa muito fora do comum.

Ou seja, as goleiras estão mais bem preparadas.
Porque está tendo uma categoria de base, então a gente está chegando cada vez mais preparada para isso.

Se você pegar o futebol masculino décadas atrás, também era goleada, mas eles vinham trabalhando. E agora o futebol feminino está no mesmo caminho, nessa crescente.

A gente botou o coração ali, na ponta da chuteira, e falou que daria mais um jogo para a Marta. E a gente deu

Lorena

goleira da seleção feminina de futebol

PARIS

Como foi chegar nas Olimpíadas em uma seleção que começou desacreditada, em que as pessoas não confiavam na vitória?
Eu não penso muito no externo. Eu penso muito no trabalho que está sendo feito, e desde que o Arthur [Elias, técnico da seleção] me convocou, vi que o trabalho estava acontecendo para um lado muito bom.

Torcida é questão de tempo. Acho que a gente vai ter o apoio como teve nos jogos e amistosos no Brasil.

Vocês tiveram derrotas importantes nestas Olimpíadas. Chegaram a acreditar que não daria para chegar à final?
Isso nunca passou pela cabeça do grupo. Somos brasileiras e não desistimos nunca. A gente sempre esteve muito focada e concentrada.

Mesmo você jogando melhor, às vezes a vitória não vem —até é essa a graça do futebol. As derrotas às vezes acontecem para fazer a gente crescer, e a nossa equipe criou casca e cresceu muito.

Por mais que às vezes as pessoas de fora só olhem os resultados, tem todo um trabalho sendo feito. E essas derrotas vieram na hora certa, fortaleceram bastante o grupo, e a gente acabou mudando a chavinha, fazendo grandes jogos e chegando à final.

O que você achou de a jogadora espanhola Jenni Hermoso dizer, depois da derrota, que a seleção brasileira "não joga futebol"?
É complicado, né [risos]. Mas acho que, às vezes, de cabeça quente, é melhor você não se pronunciar, principalmente depois de uma derrota tão elástica como elas sofreram.

Ela acabou fazendo um comentário infeliz. No futebol, a gente tem que respeitar todas as seleções.

MARTA

E a Marta, vai entrar ou não vai entrar em campo na final deste sábado?
Isso aí eu deixo para o professor Arthur [risos].

Qual é a diferença entre jogar com a Marta e jogar sem ela?
A Marta em campo, por si só, cria um respeito gigantesco. O adversário olha diferente, porque sabe que ela é uma jogadora que pode, a qualquer momento, criar uma jogada, fazer um gol ou dar uma assistência para uma outra atleta, como fez no nosso primeiro jogo. Ela deu uma "baita" assistência para a Gabi Nunes.

Ela é uma jogadora fenomenal. Aqui na seleção a gente não joga para uma jogadora, a gente joga para todo mundo. O grupo está bem unido.

Infelizmente, a gente não teve ela ali dentro de campo [no jogo contra a Espanha] por causa do cartão vermelho. A gente jogou pelas atletas que, infelizmente, se machucaram e por ela também.

A gente botou o coração ali na ponta da chuteira e falou que daria mais um jogo para ela. E a gente deu.

Me fala um pouco do significado da Marta para você. Você tinha quantos anos começou a vê-la jogando?
Nossa, eu era pequenininha [risos]. Minha avó me conta que, nos poucos jogos que transmitiam na televisão, eu assistia todos e sempre falava: "A senhora vai me ver ali, jogando com a Marta, com a Formiga, com a Cris".

Mas você acreditava?
Eu acreditava. Desde criança eu sempre acreditei nos meus sonhos.

Eu queria estar na Copa, só que Deus falou para mim: "Não, espera um pouquinho que o teu tempo é nas Olimpíadas"

Lorena

goleira da seleção feminina de futebol

FINAL OLÍMPICA

Como vocês fazem para não ficar com históricos de vitórias dos outros times na cabeça? Vocês nunca tinham vencido da França, e agora vão jogar com os EUA, que também tem um histórico de vitórias sobre o Brasil.
Eu, sinceramente, acho que o passado fica no passado. No futebol não dá para falar: "Eu já fiz, eu já ganhei". É o hoje.

As espanholas foram campeãs mundiais e não medalharam. O que elas fizeram ano passado ficou no ano passado. É claro que vai ser lembrado até a próxima Copa, mas tem que continuar fazendo.

Eu acredito muito que o que você faz no passado, fica no passado.

A Lorena que não tomou gol em 2022 na Copa América ficou para trás.

Você vai conseguir dormir bem hoje?
Consigo. O sono é muito importante, né? A gente tem a psicóloga que nos ajuda a controlar a ansiedade. Eu costumo dormir bem, [entre] nove horas e meia, dez horas.

Para eu poder ter a minha alta performance no sábado, eu preciso de uma noite boa de sono.

Você sofreu lesões em 2023 e ficou de fora da Copa do Mundo. Como foi isso?
Foi um momento bem complicado da minha carreira. Mas às vezes a gente tem que dar um passo para trás para dar dois para a frente. E eu acredito muito que Deus tem um caminho já planejado e que não era o meu tempo. Eu queria estar na Copa, só que Deus falou para mim: "Não, espera um pouquinho que o teu tempo é nas Olimpíadas".

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