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Maria Vitória Ramos e Bruno Morassutti, cofundadores da Fiquem Sabendo, abordam transparência e acesso à informação pública

Haddad deve tornar públicas declarações fiscais de entidades com privilégio tributário

Instituições de ensino, prestadores de serviços de saúde e assistência social recebem bilhões em benefícios, mas não temos como aferir contrapartidas a sociedade

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Nossa Constituição Federal previu a participação da sociedade civil organizada em diversas atividades de interesse público, em especial a saúde, educação e a assistência social. Em contrapartida ao desempenho dessas atividades, o texto constitucional assegurou diversos privilégios, dentre os quais imunidades tributárias e participação facilitada em processos de contratações com a administração pública.

Sob o ponto de vista orçamentário, as cifras são expressivas: em 2015, o impacto estimado era de R$ 5 bilhões anuais na área da educação; na saúde, o montante chegou a R$ 9 bilhões em 2019 apenas em gastos tributários. De acordo com a organização PonteEduca, que foca na educação como instrumento de redução de igualdades, a isenção fiscal destinada a entidades que, em tese, prestariam serviços em educação poderia, em 5 anos, equivaler à metade do valor necessário para universalização do saneamento básico ou, em um ano, quase triplicar o tamanho do ProUni.

Apesar desse volume de dinheiro, o cenário atual é, de modo geral, a quase inexistência de controle e transparência sobre essas entidades, se efetivamente preenchem os requisitos ou se os serviços que prestam de fato atendem o interesse público.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), em reunião no Palácio do Planalto, em Brasília - Reuters

Sob o ponto de vista normativo, o decreto federal 7.724, que regulamenta a LAI (Lei de Acesso à Informação), apenas determina que essas entidades publiquem dados "cartoriais", como seus estatutos, nome de seus dirigentes e documentos como contratos e alguns relatórios. Na prática, a esmagadora maioria dessas entidades sequer publica essas informações, inviabilizando qualquer tentativa de fiscalização por cidadãos.

Na outra ponta, tampouco há fiscalização por parte do governo federal: em 2018, relatório do Tribunal de Contas da União chegou a constatar que o Ministério da Educação não analisou nenhum relatório dessas entidades entre 2011 e 2016 –sendo que apenas 0,3% delas enviou seus relatórios em 2014 e 2015. "É preciso que a sociedade conheça os benefícios realmente gerados para ela: qual o retorno social de cada renúncia?", questiona Leonardo Albernaz, secretário de Controle Externo de Contas Públicas do TCU.

O tribunal tem reiteradamente alertado sobre a importância da qualidade do gasto, seja orçamentário, seja tributário. Na área da saúde, o Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas recomendou em 2020 que a Receita Federal compartilhe com o Ministério da Saúde os dados necessários para que este consiga fiscalizar adequadamente as entidades que usufruem desses benefícios para, em troca, prestar serviços ao SUS.

Sem dúvidas, o cenário atual exige melhorias urgentes de transparência. Felizmente, estão à distância de uma caneta as medidas necessárias para mudar radicalmente este cenário. Em primeiro lugar, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pode (leia-se, deve) cumprir a lei e revisar o entendimento ilegal da Receita de que entidades que não pagam tributos têm o mesmo sigilo fiscal que o restante dos contribuintes: as declarações devem ser públicas e os dados compartilhados.

Em segundo, os ministérios da Saúde, da Educação e do Desenvolvimento Social devem estabelecer dados mínimos e estruturados sobre a qualidade dos serviços prestados por essa entidades, exigindo seu fornecimento periódico para publicação no Portal da Transparência. Em terceiro, a Controladoria-Geral da União precisa atualizar o regulamento da Lei de Acesso à Informação para exigir a publicação ativa de dados mais relevantes, como indicadores de qualidade de serviço, qualificação de profissionais contratados, assim como permitir a apresentação de requerimentos de informações diretamente a essas entidades, pois não pode existir prestação de serviço público fora do alcance do direito de exigir informações.

Não somos contrários à participação da sociedade civil na prestação de atividades de interesse público, mas é necessário aprimorarmos a transparência e a governança desse setor para que possamos ter serviços de qualidade e baseados em evidências. As medidas propostas, ainda que não resolvam todos os problemas, certamente contribuirão para a melhoria deste cenário e permitirão a alocação mais eficiente de recursos públicos.

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