Luciana Coelho

Secretária-assistente de Redação, foi editora do Núcleo de Cidades, correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.

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Descrição de chapéu Todas Maratona

'Decameron', na Netflix, ecoa pandemia com humor incomum de obra medieval

Obra de Giovanni Boccaccio inspira comédia sarcástica de timing atual e elenco afinado

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"Decameron", minissérie da Netflix que entrou no ar nesta quinta (25) sobre um grupo de nobres em fuga da peste bubônica, tem um pouco de tudo: a sátira desbragada de Monty Python, o exame ferino de Robert Altman nas relações entre nobres e serviçais, humor físico e até rock inglês dançante dos anos 1980/1990.

O que aparece menos é o livro que lhe dá nome, "O Decamerão", escrito pelo italiano Giovanni Boccaccio no século 14 e espantosamente atual.

Problema não é, já que a criadora da série, Kathleen Jordan, afirma que não mirava uma adaptação fiel.
Boccaccio lhe foi inspiração, e assim ela manteve na série o interesse obsessivo nas relações humanas, o humor cortante e as descrições explícitas de mortes, pestes, sexo e aspectos mais comezinhos dos personagens. A seu favor se somam direção de arte deslumbrante e figurinos idem.

A publicação original é uma longa antologia de contos/crônicas do italiano, um dos primeiros a escrutinar com humor e interesse antropológico os hábitos da sociedade em que vivia —pense num Luis Fernando Veríssimo da Idade Média—, e ficou fácil para Jordan pinçar personagens e enredos mais palatáveis ao gosto de hoje.

A história se passa no século 14, na região italiana da Toscana, quando a peste bubônica (ou peste negra) varreu parte considerável da população europeia e lançou as cidades em uma emergência sanitária até então inédita.

A peste era transmitida por ratos, que infestavam os insalubres assentamentos urbanos de então, e tremendamente contagiosa. Nem Boccaccio nem Jordan poupam o público desse horror; ao contrário, eles o tratam com cinismo atordoante.

Nesse cenário, um grupo de nobres de Florença recebe o convite para se isolar na propriedade de um rico senhor. Ali poderão desfrutar da melhor comida e do melhor vinho, entreterem-se e, por que não, fazer sexo como se não houvesse amanhã.

Em tintas carregadas, ressoa algo da nossa quarentena pandêmica, da convivência forçada e ininterrupta e suas consequências nas relações.

Outra atualização, Boccaccio se aferrou aos ricos, mas Jordan joga os holofotes também sobre os serviçais, o que torna tudo mais interessante.

Afinal, se ouro e hierarquia ajudaram muitos a se salvarem das cidades insalubres, eles pouco fazem diferença em um ambiente fechado onde todos temem que o mundo acabe em breve.

Organizar esse caos de medos, vontades e segredos cabe ao principal empregado do castelo, Sirisco. Tony Hale, com timing perfeito e uma petulância que em nada lembra o Gary de "Veep" ou o Buster de "Arrested Development", faz um trabalho excelente.

Do lado dos nobres, brilha a arguta Pampinia (Zosia Mamet, também genial), uma dama que espera da quarentena um marido, já que no padrão da época seus 28 anos faziam dela uma noiva geriátrica, e que logo se assenhora da casa.

O elenco restante é competente e numeroso, assim como são as situações esdrúxulas
encadeadas em oito episódios.

É diversão descompromissada e saborosa, do tipo que vale sorver aos pouquinhos.

Os oito episódios de Decameron estão disponíveis na Netflix

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