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Repórter da Ilustrada, coordena o Clube de Leitura Folha e o Encontro de Leituras, parceria do jornal com o português Público, e é mestre em filosofia pela USP.

Descrição de chapéu Tóquio 2020

A garota que acreditou que Papai Noel não seria machista

Quantas crianças não são privadas de sonhar com diferentes esportes por serem mulheres?

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Há três anos, uma dessas cartas para o Papai Noel que se pode adotar nos Correios para presentear uma criança no Natal me marcou muito.

A carta que peguei numa pilha enorme era de uma menina de seis ou oito anos de idade, não me lembro mais. Foi o presente que ela pediu que me marcou. Ela pedia um skate e dizia ainda que falavam para ela que skate não era coisa de menina.

Na primeira vez em que participei dessa campanha de Natal, anos antes, fui a uma loja de brinquedos para comprar os presentes. Ao me ver pelos corredores, uma das atendentes veio em meu socorro. “Estou procurando um brinquedo para uma criança de quatro anos”, eu disse. “Menino ou menina?”, respondeu ela. Não é culpa da atendente. A culpa é de todos nós.

Dividimos as pessoas em homens e mulheres desde o nascimento e, a partir daí, dizemos a elas como devem se portar, se vestir, a quem amar e do que gostar de acordo com o lado em que estão. Privamos um lado de coisas previamente designadas ao outro.

Com a chegada da Olimpíada e a estreia do skate como esporte olímpico, fico pensando no sofrimento daquela menina, ainda criança, que sonhava em ter um skate a ponto de pedir ao Papai Noel, imaginando, quem sabe, que ele não vetaria esse prazer a ela.

Será que os adultos e as crianças ao seu redor deixaram que ela andasse em paz com o skate dado pelo bom velhinho?

Além de masculinizado, o skate sofre o preconceito de “coisa de maloqueiro”. Então, além do estigma de menina que anda com meninos, as skatistas ainda enfrentam o estigma de andar com meninos que não são, segundo o preconceito, boas pessoas. Todo esse cenário é bem retratado no filme “Meu Nome É Bagdá”, de Caru Alves de Souza, que mostra uma garota skatista da periferia de São Paulo.

Eu também cresci na periferia paulistana, nos anos 1990, e meu pai andava de skate com os vizinhos de bairro. A vizinhança torcia o nariz porque meu pai é médico e andava com aqueles “moleques”. Há diversas fotos de família em que o skate aparece. Há uma em que estou, bem criancinha, em cima dele, com meu pai me segurando ao lado.

Em outra, meu irmão, com uns quatro anos, está vestido de Super-Homem, capa vermelha esvoaçante, em cima do skate –desculpa aí contar essa. Quando nos mudamos para um bairro mais central, já não se via mais o pessoal do skate pelas ruas.

O Brasil foi a Tóquio com o máximo de atletas permitidos no novo esporte, 12, seis dos quais mulheres. Rayssa Leal, uma delas, tem 13 anos. Ela é só um pouco mais velha do que a menina da carta de Natal, que, espero, possa vê-la em ação na TV nos próximos dias.

Quantas crianças não são privadas de sonhar com diferentes esportes por serem mulheres?

Na praia ou nos parques, é comum ver os pais jogando futebol com seus filhos e, na maioria esmagadora das vezes, o fazem com seus filhos meninos. Por que não ensinamos as meninas a chutar bolas? E por que não estimular os meninos a fazer ginástica, salto ornamental ou nado artístico?

Esses Jogos Olímpicos são os com a maior participação de mulheres da história, 49% dos atletas. O COI também exigiu ao menos uma mulher nos comitês olímpicos nacionais. Falta ainda acabar com a categorização apenas para mulheres em alguns esportes, como a ginástica rítmica e o nado artístico, que já tem, no campeonato mundial, uma categoria mista.

Cabe a nós, espectadores, darmos atenção às atletas mulheres, torcendo por elas, assistindo às suas competições, valorizando seus nomes e o esforço que fizeram para chegar aonde estão. ​

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