Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.
Vai ter tapa na cara
Recentemente levei meu tapa na cara ao dar palpite sobre a pendenga Smith-Rock no Oscar. Não foi o primeiro, tampouco será o último
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Se dividíssemos o mundo entre as pessoas que aceitam críticas bem e as que não, o primeiro grupo não encheria um elevador. Alguns poucos iluminados e os debochados, talvez. Muita gente tem a decência de admitir erros, mas dificilmente o faz sem que escorra uma lagriminha no canto do olho. Não se deve subestimar o valor dessa diferença, pois admitir é tão desconfortável quanto crucial. Insistir no erro tem sido a razão de grandes sofrimentos privados e públicos.
Começamos a vida exageradamente abertos à opinião dos outros porque são pessoas de quem dependemos. Usamos a tosquice das birras para não sucumbir demais ao desejo alheio. Ao longo do crescimento, a alternância entre ceder ou resistir à opinião dos mais velhos passa por vários rounds. Culmina com a famosa irritação adolescente, que qualquer comportamento adulto é capaz de acionar. Caso amadureça, o jovem para de se preocupar com a opinião dos outros e a sustentar opiniões próprias e não reativas.
Ganhar o status de adulto —merecido ou não— vem com o aumento da autoconfiança, e o risco de anacronismos. Não toleramos mais levar chamada de ninguém, principalmente dos mais jovens.
Tati Bernardi lançou um programa chamado "Tapa na Cara", no qual chama pessoas para falarem sobre racismo, corpo, transexualidade, ecologia, enfim, as cascas de banana nas quais escorregamos diariamente. A cada pergunta "proibida", que revela ignorância e preconceito da apresentadora, o tapa vem em forma de resposta curta e grossa. Bernardi faz parte do seleto grupo do autodeboche, consciente de seu papel de chacoalhar a ordem social com sua inteligência ácida.
As redes sociais têm uma penetração inédita entre pessoas que até então só conversavam com seus próximos. Disso decorre tanto a oportunidade de transformação de alguns discursos quanto o recrudescimento de outros. Embora essa escolha dependa do arbítrio de cada um, não escapa inteiramente à manipulação midiática.
A reflexão sobre a ordem social está tão acelerada que fica quase impossível estar à altura do nosso tempo. Não se trata de acumular informação, mas da necessidade de acompanharmos a mudança das mentalidades. Se resistimos —e como!— é porque o contraditório abala nossa frágil auto imagem. Mas nada disso é desculpa. Aguentar o tranco da crítica e rever posições nunca foi tão urgente. Isso não significa que devamos admitir o sadismo mal disfarçado dos que fazem da crítica virulenta apenas um truque de autopromoção.
Recentemente levei meu tapa na cara ao dar palpite sobre a pendenga Smith-Rock no Oscar. Não foi o primeiro, tampouco será o último. Apelei pra todo tipo de auto argumento (e Deus sabe que a racionalização é dos mecanismos de defesa mais manjados de Freud).
Como uma mulher pode não criticar um comportamento masculino agressivo do qual discorda!? Pra começo de conversa, a categoria mulher é uma das grandes falhas ideológicas do feminismo branco, do qual me fiz porta-voz. Escorrida a lágrima de canto —de constrangimento, óbvio— e retornando à leitura de bell hooks, busquei me retratar. Claro que também fui criticada por algumas mulheres brancas por voltar atrás. C’est la vie.
Meu consolo é que narcisismo ferido ainda é a melhor opção para quem não quer se afogar na sua imagem refletida no lago. Para os que, como eu, não são nem iluminados, nem suficientemente debochados, o remédio é simples, mas amargo: aproveitar toda ajuda possível para rever criticamente suas posições. É isso ou afundar no lago de Narciso, vulgo lixo da história.
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