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Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

Descrição de chapéu Mente

Vai ter tapa na cara

Recentemente levei meu tapa na cara ao dar palpite sobre a pendenga Smith-Rock no Oscar. Não foi o primeiro, tampouco será o último

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Se dividíssemos o mundo entre as pessoas que aceitam críticas bem e as que não, o primeiro grupo não encheria um elevador. Alguns poucos iluminados e os debochados, talvez. Muita gente tem a decência de admitir erros, mas dificilmente o faz sem que escorra uma lagriminha no canto do olho. Não se deve subestimar o valor dessa diferença, pois admitir é tão desconfortável quanto crucial. Insistir no erro tem sido a razão de grandes sofrimentos privados e públicos.

Começamos a vida exageradamente abertos à opinião dos outros porque são pessoas de quem dependemos. Usamos a tosquice das birras para não sucumbir demais ao desejo alheio. Ao longo do crescimento, a alternância entre ceder ou resistir à opinião dos mais velhos passa por vários rounds. Culmina com a famosa irritação adolescente, que qualquer comportamento adulto é capaz de acionar. Caso amadureça, o jovem para de se preocupar com a opinião dos outros e a sustentar opiniões próprias e não reativas.

Ganhar o status de adulto —merecido ou não— vem com o aumento da autoconfiança, e o risco de anacronismos. Não toleramos mais levar chamada de ninguém, principalmente dos mais jovens.

Will Smith dá tapa em Chris Rock no Oscar - Brian Snyder - 27.mar.2022/Reuters

Tati Bernardi lançou um programa chamado "Tapa na Cara", no qual chama pessoas para falarem sobre racismo, corpo, transexualidade, ecologia, enfim, as cascas de banana nas quais escorregamos diariamente. A cada pergunta "proibida", que revela ignorância e preconceito da apresentadora, o tapa vem em forma de resposta curta e grossa. Bernardi faz parte do seleto grupo do autodeboche, consciente de seu papel de chacoalhar a ordem social com sua inteligência ácida. ​

As redes sociais têm uma penetração inédita entre pessoas que até então só conversavam com seus próximos. Disso decorre tanto a oportunidade de transformação de alguns discursos quanto o recrudescimento de outros. Embora essa escolha dependa do arbítrio de cada um, não escapa inteiramente à manipulação midiática.

A reflexão sobre a ordem social está tão acelerada que fica quase impossível estar à altura do nosso tempo. Não se trata de acumular informação, mas da necessidade de acompanharmos a mudança das mentalidades. Se resistimos —e como!— é porque o contraditório abala nossa frágil auto imagem. Mas nada disso é desculpa. Aguentar o tranco da crítica e rever posições nunca foi tão urgente. Isso não significa que devamos admitir o sadismo mal disfarçado dos que fazem da crítica virulenta apenas um truque de autopromoção.

Recentemente levei meu tapa na cara ao dar palpite sobre a pendenga Smith-Rock no Oscar. Não foi o primeiro, tampouco será o último. Apelei pra todo tipo de auto argumento (e Deus sabe que a racionalização é dos mecanismos de defesa mais manjados de Freud).

Como uma mulher pode não criticar um comportamento masculino agressivo do qual discorda!? Pra começo de conversa, a categoria mulher é uma das grandes falhas ideológicas do feminismo branco, do qual me fiz porta-voz. Escorrida a lágrima de canto —de constrangimento, óbvio— e retornando à leitura de bell hooks, busquei me retratar. Claro que também fui criticada por algumas mulheres brancas por voltar atrás. C’est la vie.

Meu consolo é que narcisismo ferido ainda é a melhor opção para quem não quer se afogar na sua imagem refletida no lago. Para os que, como eu, não são nem iluminados, nem suficientemente debochados, o remédio é simples, mas amargo: aproveitar toda ajuda possível para rever criticamente suas posições. É isso ou afundar no lago de Narciso, vulgo lixo da história.

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