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Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de "Criar Filhos no Século XXI" e “Manifesto antimaternalista”. É doutora em psicologia pela USP

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Esposas tradicionais e os feminismos

Cada mulher tem o direito de escolher sua forma de vida

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Entendo o feminismo como um movimento pacífico da sociedade em busca da igualdade de direitos entre homens e mulheres, uma vez que os homens têm exercido poder violento e coercitivo contra elas desde que o mundo é mundo. Não podendo responder categoricamente à pergunta de um milhão de dólares —por que essa opressão se repete em todas as culturas até aqui?—, resta-nos avaliar eticamente o que fazer com a injustiça.

Daí a resposta do feminismo, ou melhor, dos feminismos, já que há algumas versões e correntes diversas dentro do movimento. Quanto a mim, certamente afetada pela psicanálise, alinho-me às que entendem que cada uma tem o direito de escolher sua forma de vida, a tal ponto que até escolher ser submissa deve ser respeitado.

E não poderia ser muito diferente para quem acredita que devemos reconhecer nosso desejo, decidir o que fazer com ele —o que nem sempre significa realizá-lo— e assumir integralmente a responsabilidade por isso.

Quando critico as antifeministas é por, pelo menos, duas razões: a incoerência do discurso e o autoritarismo de impô-lo às demais. Não quer casar? Quer ser monogâmica? Quer ter filhos? Abrir mão dos estudos? Não quer abortar? Tudo bem. Mas obrigar outras mulheres a terem a mesma sina é inaceitável. Submeta-se o quanto quiser, mas não venha colocar a colher no meu angu.

Quanto à coerência, vamos falar de um vídeo que anda circulando pelas redes de uma deputada cujo nome faço questão de não mencionar, pois é assim que essas pessoas se promovem e ganham eleitores.

São falas disruptivas, de cunho extremista, que funcionam como ímã para a direita radical. Essa senhora diz em alto e bom som que a mulher deve ser submissa ao marido e que o homem é a cabeça da família.

Não é a primeira nem será a última a proferir essas crenças, mas, ao fazê-lo no exercício de seu cargo político, fica a questão: ela não deveria estar em casa preparando a comida do cônjuge?

Se uma das conquistas mais notórias do feminismo, que levou à prisão, à tortura e à morte diversas sufragistas, foi o direito ao voto, o que dizer do direito de exercer um cargo político? Se a deputada realmente acredita no que grita em plenário, ela se imagina a exceção ao que ela mesma prega. Figura bem representada pela personagem Serena Joy em "O Conto da Aia", de Margaret Atwood.

Pôster da quinta temporada de 'The Handmaid's Tale' - Divulgação

Esposa do Comandante, que lutou ativamente para instituir uma sociedade na qual as mulheres estão sob o poder masculino, ela se espanta sempre que tem que se submeter ao jugo do marido, jugo que ela mesma ajudou a criar. Não há deputadas em Gilead, apenas mulheres que oprimem outras mulheres que estão na escala inferior da pirâmide social.

A repórter Jéssica Nakamura, em entrevista que gravei para o Deutsche Welle, me alertou sobre o artigo "The Rise and Fall of the Trad Wife", de Sophie Elmhirst, na revista The New Yorker. A expressão descreve um grupo de mulheres que defende o retorno aos lares e ao cuidado com a família tradicional: papai, mamãe e filhos, sendo o pai o provedor financeiro e a mãe a cuidadora.

Esse modelo, que nunca saiu de moda, agora perde a vergonha de se posicionar abertamente em favor do discurso que foi hegemônico até os anos 1950, antes da revolução sexual. O interessante da reportagem é mostrar que o espectro de classe, raça, político e religioso dessas mulheres é mais amplo do que se esperava, revelando que elas não compõem o estereótipo das famílias ricas, brancas, republicanas e evangélicas, como se imagina.

Nesse ponto, retorno à minha reflexão inicial neste artigo: "cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é".

Desde que não obriguem as demais mulheres a seguir seu caminho, não tenho nada contra. Acredito que essa seja uma das respostas possíveis para o desafio que as mulheres enfrentam ao tentar conciliar carreira e filhos. Nesse caso, elas abrem mão da carreira em favor de criar filhos, tendo o marido como apoio financeiro.

Essa escolha tem três saídas bem conhecidas, como denunciam as feministas há mais de cem anos: divórcio e tentativa de voltar ao mercado de trabalho tardiamente, agora com filhos para cuidar; aguentar qualquer violência para não perder o "carrasco provedor"; viver felizes para sempre. Façam suas apostas.

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