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Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

Bolsonaro terceiriza governo e seus filhotes organizam direita no Congresso

Rebentos do bolsonarismo se aliam em partidos extremistas e compõem quase um terço do Congresso

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Um decreto de Jair Bolsonaro deu a Ciro Nogueira poderes de arbitrar e decidir conflitos legais entre ministros. Nogueira é ministro da Casa Civil, senador e presidente licenciado do PP, cardeal do centrão e regente do governo. Em janeiro, outro decreto havia lhe dado poderes sobre mudanças em princípio pequenas no Orçamento, mas que tutelavam Paulo Guedes.

São sinais menores e oficiais de que Bolsonaro terceirizou o governo que jamais assumiu — em um país menos anormal, seriam questiúnculas administrativas. Mas Nogueira ganha poderes desde que se tornou ministro, em agosto de 2021, compondo a diarquia informal que comanda com Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara.

Nogueira, Lira e turma tocaram o Bolsa Família engordado, o Auxílio Brasil, puseram Guedes no cantinho, decidiram o que sobra de dinheiro livre do Orçamento, chutaram o pau do teto de gastos e agora tentavam diminuir impostos em massa a fim de fazer demagogia com o preço dos combustíveis.

O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia sobre renegociação de dívidas do FIES, no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira - 10.fev.2022/Folhapress

Foi o comando do centrão que deu um chega para lá em Bolsonaro, no auge da campanha golpista, no 7 de Setembro. Desde então, procura evitar que Bolsonaro diga um excesso de atrocidades, para que ocupe menos tempo no noticiário negativo. Tentaram até fazer com que Bolsonaro dissesse algo a favor de vacinas. Mesmo a filhocracia ficou algo mais quieta.

Trata-se de uma espécie de iluminismo fisiológico da era das trevas, 2019-2022, para dizer a coisa de modo sarcástico.

Os cacos que eram o programa econômico bolsonarista foram triturados pela epidemia. Sob o centrão, viraram pó. O esquema serviu para aliviar conflitos com o Supremo, abafar de vez a ideia de impeachment e sustentar política e financeiramente (reeleger) parte da bancada do centrão. Nessa coabitação, Bolsonaro não levou adiante seus projetos de tirania, mas manteve os poderes de pregar "contra o sistema", propagandear ignorância, selvageria e reação.

Apesar de ainda mais diminuído, como se fosse possível, Bolsonaro ou a onda que o levou ao poder pariu rebentos, bastardos, ramos e variantes que organizam a direita partidária. O sistema político está em desordem, fica evidente na tentativa frenética de montar o quebra-cabeças de alianças e federações. O fato de o candidato favorito, Lula (PT), até ontem ser vítima de ostracismo odiento e de Bolsonaro, "incubente", ser rejeitado por dois terços do eleitorado dificulta a montagem. Mas algo se organiza.

Há um partido de extrema direita, o PL de Bolsonaro, o nacional-mensalismo, que até abril pode ter uns 60 deputados (o maior partido da legislatura era o PSL, com 55). Há um partido de direita extrema, o União Brasil, feito de restos do PSL que largou Bolsonaro, e de DEM governista hoje ou amanhã, que pode ter mais de 60 deputados, no fim das migrações. Há o partido de Sérgio Moro, ora de extrema direita, mas que pode dar uma rasteira no ex-juiz para se pendurar em quem estiver para ganhar (11 deputados). Há um satélite bolsonarista de extrema direita, o bloco PSC-PTB (22 deputados).

Bolsonaro não é capaz, por "limites cognitivos", por ser "antissistema" e impopular, de passar um pente nem na política eleitoral de 2022. A fragmentação partidária e a inépcia de Bolsonaro fazem com que as composições pareçam uma dança de pedaços de gelatina colorida em uma tigela.

Mas os cacos do bolsonarismo e os fisiológicos puros se aliam em partidos extremistas no seu descaramento negocista e reacionarismo, ora quase um terço do Congresso.

O governo é uma mula sem cabeça, mas com um monstro que foi capaz de encabeçar um movimento reacionário que não se via no Congresso faz mais de 40 anos.

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