Já pensou ir ao bar e pedir um drinque filtrado com terra? Ou um coquetel com uma base nutritiva utilizada para cultivo de bactérias em laboratórios?

Essas e outras aventuras sensoriais são propostas do Paradiso, eleito melhor bar do mundo em outubro passado segundo o ranking 50 Best Bars, espécie de guia Michelin dos bares, definido por 650 especialistas de todo o mundo.

O Paradiso, localizado no bairro boêmio do Born, no centro histórico de Barcelona, poderia passar despercebido aos mais distraídos se não fosse a invariável fila de gente esperando do lado de fora.

Criado em 2015 pelo italiano Giacomo Giannotti e sócios e batizado com o mesmo nome da gelateria artesanal de sua família na Toscana, o bar tem uma fachada que beira o ordinário: parece um boteco arrumado, onde se vendem sanduíches de pastrami e outros petiscos gourmet.

A mágica de verdade, no entanto, acontece quando se abre a porta de geladeira antiga ao lado do pequeno balcão —fica ali a entrada para o verdadeiro bar.

O Paradiso é um dos primeiros bares secretos ou "speakeasy" (literalmente, "fale baixo", em inglês) de Barcelona. O nome vem dos estabelecimentos escondidos que vendiam bebida alcoólica durante a Lei Seca nos Estados Unidos (1920-1933), e que agora estão na moda em toda parte, de Nova York a São Paulo.

Hoje em dia, estima-se que existam em Barcelona mais de 40 bares do tipo, entre chiques e despojados, escondidos nos fundos de mercadinhos, armazéns, armários, lojas de souvenires. Alguns pedem até senha.

A graça está na sensação de se entrar num mundo paralelo à la "Alice no País das Maravilhas", com o gratificante bônus da descoberta e (relativa) exclusividade.

No caso do Paradiso, ao entrar pela "geladeira", os visitantes são conduzidos a um comprido salão de luz tênue, cujas formas sinuosas, feitas de lâminas de madeira, são uma homenagem ao mar de Barcelona e a Gaudí, o arquiteto-artista mais notório da capital catalã, amante das formas naturais e orgânicas.

No balcão, um punhado de jovens e ágeis bartenders compenetradíssimos passa a noite preparando poções, esculturas, jardins.

Os drinques —saem dali cerca de 800 por dia— vão desde clássicos renovados, como um italianíssimo negroni, com adições como chá chai de especiarias e uísque defumado, a propostas únicas como o On Fire, uma versão tostada do milk punch, que leva suco de batata-doce e acompanhamentos aromáticos, como mandioca cozida em tinta de lula.

Observar a preparação dos coquetéis é um entretenimento em si: torres de espuma de café de um lado, fumaça de outro, bobinas eletromagnéticas pincelando o lusco-fusco com seu fulgor neon.

Na noite da visita da reportagem, uma turista brasileira vinda de Goiânia provava uma versão modificada do Espresso Martini, com banana e espuma de gergelim tostado, servido com um... trenzinho.

"Fiquei duas horas na fila, mas valeu a pena", disse, enquanto fotografava o drinque.

Como ela, muitos turistas, atraídos pela curiosidade e boas recomendações, se revezam no balcão ou nas poucas mesas ao fundo, rodeadas de paredes adornadas com flores —outro detalhe orgânico da decoração.

A carta temática de coquetéis do Paradiso é renovada anualmente, resultado de longos brainstorms que podem demorar até nove meses, de acordo com os proprietários.

"Como uma gestação", compara Aurora Almenar, mixologista venezuelana por trás das elaborações, junto com Matteo Ciarpaglini, responsável pelos acompanhamentos de cada drinque e pela carta gastronômica do bar.

Almenar está à frente do Paradiso Lab, estúdio de criação ao lado do bar, que mais parece um laboratório, com seus béqueres e aparatos para destilação e fermentação. Ela orquestra o processo de criação junto com Giacomo, Ciarpaglini e uma equipe de cerca de 40 pessoas, a maioria italianos.

Este ano, o tema escolhido é a história da humanidade. Na carta "The Evolution", são contemplados eventos como a descoberta do fogo, a invenção da eletricidade e a penicilina.

O Roots (raízes), por exemplo, homenagem à agricultura, leva verbena, limão, rosas e notas terrosas. Isso mesmo: o coquetel é preparado diante do cliente, com gotas de água de ervilhas e terra fertilizada que são filtradas por uma plantinha de brotos com carvão ativado.

Pode soar pouco apetecível, mas os sabores de vários drinques combinam toques exóticos com finais suaves e doces, muito bem-vindos até para os paladares mais sensíveis.

Como o Tesla, que vem com uma bobina de Tesla que acende por indução eletromagnética o copo highball revestido de gás: ingredientes mais adstringentes como Tanqueray e erva-mate se somam a um delicado licor de flores de saúco e camomila.

Um dos melhores é o Fleming, homenagem ao inventor da penicilina, mistura de fermentados servido em um copo com a borda feita de ágar-ágar cultivado por dois dias com esporas de tempê.

O acompanhamento: um bombom de kinkan recheado de chocolate com missô e recoberto de manteiga de cacau. Soa surreal, mas o resultado funciona —e surpreende.

"É um projeto de todos", comenta Giacomo. "Qualquer um pode apresentar uma ideia criativa, e nós estimulamos a participação de toda a equipe no processo."

Aliás, o título de melhor bar do mundo, frisa, não é apenas por conta do fetiche em torno do endereço, com sua vocação "clandestina" ou a carta arrojada e inventiva de coquetéis. "Contam também o serviço, o ambiente, atmosfera, a limpeza", diz. "E, de novo, o trabalho harmonioso de toda a equipe".

El Paradiso

Rere Palau, 4, El Born, Barcelona. Instagram @paradiso_barcelona