Prefeitura de São Paulo publica proposta de revisão da lei de zoneamento
Texto nega desconto na outorga onerosa pretendido pelo setor imobiliário e não toca em zonas estritamente residenciais
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A Prefeitura de São Paulo publicou nesta quinta (31) uma minuta para alterar a Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (a lei de zoneamento) e deve desagradar a incorporadores e urbanistas.
Os primeiros não obtiveram o pleiteado corte de 30% no valor da outorga onerosa, que são créditos comprados para poder construir mais; os últimos se opõem à revisão de uma lei recente sem estudos nem simulação de impacto.
O texto deve, também, desagradar a urbanistas, que se opõem à revisão de uma lei tão jovem sem estudos que justifiquem modificações ou simulações do impacto que a revisão possa ter.
A proposta ainda será alvo de quatro audiências públicas ao longo de novembro, antes de a redação final ser enviada para a Câmara Municipal, o que deve ocorrer em dezembro.
Para a gestão, a lei precisava de uma calibragem —termo com que chamam a revisão— para se adaptar às necessidades reais da cidade.
Segundo Fernando Chucre, secretário municipal de Desenvolvimento Urbano, a ideia foi modular os anseios do mercado e as necessidades urbanas.
Uma das mudanças pretendidas pelo setor imobiliário era a ampliação do gabarito —a altura máxima dos edifícios— nas zonas mistas e de centralidade dos bairros.
Nas zonas de centralidade, aquelas em que há atividades típicas de centros regionais, como comércio local, o gabarito passa de 48 metros para 60 metros; nas zonas mistas, que mesclam residencial e não residencial, vai de 28 metros para 48 metros.
O aumento, porém, só vale para ruas com mais de 12 metros de largura.
A tese, diz o secretário, é que, ampliando a oferta em zonas foras dos eixos de adensamento propostos pelo Plano Diretor, diminuiria o que ele chama de “elitização do corredor”, o aumento do valor do metro quadrado nas regiões mais bem servidas em termos de transporte coletivo.
Na opinião de Kazuo Nakano, professor do Instituto das Cidades da Unifesp, não é tão simples assim.
“A ideia de que aumentar a altura da edificação em zonas mais distantes do transporte coletivo vai diminuir o preço no eixo é uma falácia”, diz ele, para quem “o que a classe média quer é morar perto do transporte, principalmente metrô”.
Nakano diz ainda que a limitação de construção de acordo com a largura das ruas é insuficiente. “A pessoa não vai circular só na rua, vai circular no sistema viário”.
Na opinião de Ricardo Yazbek, respeitado o coeficiente de aproveitamento estabelecido para cada área, não deveria haver restrição de gabarito.
Vice-presidente de Assuntos Legislativos e Urbanismo Metropolitano do Secovi-SP, sindicato que representa o mercado imobiliário, Yazbek defende que "uma torre mais esbelta melhora o ambiente", mais do que uma "bojuda e gordinha", em termos de insolação e ventilação.
"Não tem cabimento em São Paulo, essa megalópole que é hoje, estarmos falando em predinho de oito andares. Pequim, Xangai, Taiwan, Nova York, temos de estar disputando hoje com essas cidades globais."
As vagas de garagem são outra batalha do mercado. A lei de zoneamento de 2016 estabeleceu que empreendimentos residenciais localizados perto de estações de metrô e corredores de ônibus poderiam ter uma vaga a cada 60 m² nas unidades habitacionais.
Assim, apartamentos de 120 m² nos corredores poderiam ter dois espaços de estacionamento. As vagas excedentes passariam a ser contadas como área computável —vagas, como varandas, portarias e casas de máquinas não entram no cálculo do coeficiente de aproveitamento, que é limitado de acordo com a região.
Essa regra, porém, era válida por três anos, até março de 2019. A partir daí, unidades habitacionais nesses eixos só poderiam ter uma vaga, independentemente da metragem.
A proposta apresentada nesta quinta-feira permite que um edifício residencial tenha uma vaga por unidade ou uma vaga a cada 60 m² de área computável.
Com isso, o total dos espaços de estacionamento pode ser redistribuído entre as unidades —que podem ser vendidas com mais de uma vaga ou sem vaga alguma.
Se foi parcialmente atendido no gabarito e nas vagas, o setor imobiliário viu banido do texto qualquer desconto na outorga onerosa.
A outorga é paga aos cofres municipais em troca do direito de construir acima do coeficiente de aproveitamento básico de cada terreno. Ela é direcionada ao Fundurb, fundo destinado à implementação de melhorias urbanas.
Segundo Chucre, a demanda não encontra amparo técnico.
“Não estou dando [o desconto] porque entendo claramente a importância do Fundurb para produção de habitação de interesse social, mobilidade e outras coisas mais. Se neste ano se baixou juro, se tem recurso para financiar obra e para comprar, não tem justificativa para redução da outorga.”
Para a Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias), a minuta "mostra que as mudanças serão tímidas e não aumentarão os espaços para moradia próximos a infraestrutura urbana de qualidade".
Em nota, a associação destaca o custo da outorga, considerado elevado, as restrições de altura em bairros já parcialmente verticalizados e as limitações de área e de vagas de garagem nos eixos de adensamento como aspectos que "restringem de forma relevante as áreas de atuação do mercado".
A Abrainc argumenta que essas limitações levam à "periferização de empreendimentos, principalmente os voltados para as classes de baixa de renda, elitizando ainda mais a cidade".
Alavancado pelo aquecimento do setor de construção civil, o Fundurb recebeu, em 2019, R$ 492 milhões vindos de outorga.
"Tímida" é também o adjetivo com que Ricardo Yazbek qualifica a minuta. Ele lamenta especialmente que o setor não tenha sido atendido no tocante ao desconto na outorga.
"Isso não veio e nos parece um equívoco", resume, afirmando que os valores da outorga subiram mais de 350% após a implementação do Plano Diretor Estratégico de 2014.
"Com o mercado melhorando e tendo um pequeno ajuste nessa questão" o aquecimento do mercado "compensaria com folga", diz, o desconto de 30% pretendido pela categoria.
"Em simulações que nós fizemos, com esse ajuste nós teríamos mais arrecadação para o Fundurb, e não menos", diz.
A minuta cria um novo mecanismo para aumentar a arrecadação do fundo, ao prever uma cota de solidariedade voluntária para imóveis com área computável menor do que 20 mil m² —ela é obrigatória para imóveis maiores.
Pelo novo texto, os empreendimentos com menos de 20 mil m², que são a maioria, doam 10% do valor da área total do terreno ao Fundurb e, em troca, recebem 10% de acréscimo na área computável.
A proposta da prefeitura procura ainda fomentar a produção de moradia popular ao modificar os percentuais de habitação de baixa renda nas Zeis (zonas especiais de interesse social).
Era desejo dos empreendedores diminuir as unidades destinadas à faixa HIS 1 (para famílias de renda de até três salários mínimos mensais), nas Zeis 1,2,3 e 4.
Hoje, 60% das unidades nessas áreas deve ser destinada a HIS 1, e os outros 40% para a faixa de três a seis salários mínimos (HIS 2).
O setor ambicionava mudar a proporção para 50%-50%, com o argumento de que as unidades mais caras ajudariam a subsidiar as mais baratas
Pela nova proposta, o coeficiente de aproveitamento nessas Zeis será aumentado em 20% —mas toda a área extra deve ser destinada a HIS 1, na qual se concentra a maior parte do déficit de moradia.
A minuta trará modificações em vários outros aspectos da lei de zoneamento, que não ocuparam tanto o debate entre mercado e urbanistas.
Um ponto sensível ficou de fora: o que fazer com as ZER (zonas estritamente residenciais), regiões como o Pacaembu e os Jardins, que têm se esvaziado, mas que contam com associações de moradores consolidadas e atentas a qualquer modificação no zoneamento.
Segundo Chucre, desde que assumiu a pasta, no início do ano, foi muito procurado por entidades de bairro. “Com todas as áreas estritamente residenciais a gente conversou em algum momento, o que gerou uma decisão minha de não mexer uma vírgula em nada que envolva ZER.”
O secretário diz que a mudança no zoneamento está sujeita ao teste da realidade —e à discussão que inevitavelmente virá de diferentes setores nos próximos dois anos, quando deve haver a revisão do Plano Diretor Estratégico de 2014.
“Posso errar a mão”, diz o secretário, “mas em 2021 se calibra de novo”.
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