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País perde 65% dos leitos de UTI abertos desde o início da pandemia

Dos 14.843 leitos adultos, restam 5.233; secretários da Saúde tentam segurá-los para cobrir déficit anterior

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São Paulo

Com a queda no número de casos de Covid-19, leitos clínicos e de UTI do SUS abertos temporariamente durante a pandemia estão sendo fechados. Diante disso, cresce um movimento de secretários da Saúde reivindicando que parte dessas vagas seja incorporada em definitivo à rede pública para cobrir o déficit anterior.

Dos 14.843 leitos de UTI adultos e 249 pediátricos habilitados pelo Ministério da Saúde desde abril, resta pouco mais de um terço—5.233 de adultos e seis pediátricos, segundo a pasta.

O número restante, contudo, ainda seria um incremento significativo à rede pré-pandemia. Em janeiro de 2020, o SUS tinha um total de 22.841 leitos de UTI. Já o setor privado, que atende 22% da população, contava 22.586, segundo dados do Conselho Federal de Medicina.

Secretários estaduais e municipais tentam agora convencer o ministério a manter pelo menos 5.000 leitos de UTI nas regiões onde sempre houve falta desse serviço, com grandes desigualdades na distribuição, segundo fontes ouvidas pela reportagem e familiarizadas com as conversas. No Amapá, por exemplo, a proporção de leitos de UTI do SUS por 10 mil habitantes é de 0,5, enquanto em São Paulo, de 1,9.

O Conass (Conselho Nacional de Secretários da Saúde) diz que só se manifestará sobre o assunto quando concluir a análise oficial, o que deve acontecer nas próximas semanas.

Levantamento do CFM mostrou que 14 estados brasileiros, a maioria no Norte e no Nordeste, têm o total de leitos de UTI do SUS abaixo do patamar ideal (de 1 a 3 para cada 10 mil habitantes, segundo a Amib – Associação de Medicina Intensiva Brasileira).

Estados cujas redes de saúde entraram em colapso, como Amazonas e o Pará, têm hoje menos da metade de leitos hospitalares no SUS que tinham no fim de junho, auge da crise sanitária.

O Amazonas, que chegou a ter 1.209 leitos exclusivos para pacientes com Covid-19, contava no início do mês com cerca de 480, 60% a menos. O Pará tinha 703 leitos de UTI e 1.519 leitos clínicos para Covid-19. No final de setembro, eram 359 leitos de UTI e 926 leitos clínicos (49% e 39% menos, respectivamente).

Além de a pandemia ainda não ter terminado e de haver risco de um repique de casos —na Europa, embora a letalidade tenha caído, hospitais estão lotando —, começa a chegar ao SUS a demanda de pacientes de outras doenças, que não procuraram assistência no período de distanciamento social.

Segundo dados preliminares das secretarias estaduais de saúde, nem 10% das cerca de 500 mil cirurgias eletivas que são feitas anualmente na rede pública foram realizadas neste ano. A previsão é que em 2021 haja uma grande sobrecarga do sistema, o que, por si só, já justificaria manter parte dos leitos emergenciais.

“Estimamos que essa demanda reprimida deva chegar a 1 milhão [de cirurgias] até o final do ano. Será uma demanda altíssima de procedimentos ambulatoriais e hospitalares não realizados”, afirmou Mauro Junqueira, secretário-executivo do Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde), em audiência no Congresso no início do mês.

Dados da Sociedades Brasileira Cirurgia Oncológica mostram que houve redução de 70% no número de cirurgias de câncer nos primeiros meses da pandemia.

Segundo Alexandre Oliveira, presidente da entidade, o reflexo disso é que agora começam a chegar pacientes com a doença em estágios mais avançados, o que encarece o tratamento e reduz as chances de cura. “Às vezes um paciente que ia precisar só de uma cirurgia, acaba tendo que ir para a radio e quimioterapia também porque o diagnóstico foi tardio ”, afirma Oliveira.

Na cardiologia, acontece situação parecida. Houve queda de 50% nos atendimentos de emergência em casos de infarto e de 40% nos casos de AVC (acidente vascular cerebral) entre março e julho deste ano.

Marcelo Queiroga, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, aponta que a pandemia fez com que os pacientes passassem a chegar às emergências com quadros mais graves de infarto e de AVC. Também aumentou em 32% o número de mortes cardiovasculares em casa.

“São pacientes que chegam com mais de dez horas de evolução de um infarto. É um problema sério [quanto mais tempo, mais danos ao músculo cardíaco e maiores as chances de complicações e morte].”

Vazia durante boa parte da pandemia, a emergência cardiológica do Hospital Agamenon Magalhães, de Recife (PE), hoje tem o cenário clássico de pacientes em macas pelos corredores, segundo o médico intensivista Marcos Gallindo. “A esperança é que essa pandemia deixe um legado de mais leitos, que os equipamentos e o pessoal treinado sejam aproveitados.”

Para o intensivista Ederlon Rezende, membro do conselho consultivo da Amib, a pandemia evidenciou quais locais priorizar devido à falta de leitos de UTI. “A gente toma decisões estratégicas de saúde de maneira empírica, sem informação, sem inteligência. Mesmo durante pandemia, foram abertos leitos que, talvez, não fossem necessários. Foram abertos por pressão de prefeitos e governadores.”

Segundo ele, abrir um leito de UTI custa caro, mas mantê-lo custa muito mais. “Uma coisa é fazer uma conta de gastos de seis meses. A outra é de ter gastos continuamente com esses novos leitos.” Cada diária de leito para Covid-19 custou R$ 1.600 ao SUS.

Para Rezende, o momento oferece a oportunidade de corrigir falhas crônicas de má distribuição de leitos e também de ganhar eficiência. Isso também passa pela mudança do modelo de remuneração —tanto o SUS como o setor privado hoje compensam o tempo de internação.

Entre os gestores públicos, discute-se ainda o custeio da saúde em 2021. Após perdas com o ajuste fiscal, a previsão é que o orçamento da saúde tenha queda de R$ 35 bilhões em relação ao de 2020, segundo proposta orçamentária enviado pelo governo Jair Bolsonaro (sem partido) ao Congresso.

Em nota, o Ministério da Saúde afirma que, sob a emergência pública em decorrência da Covid-19, o foco será a continuidade de habilitações de leitos de UTI exclusivos para o tratamento de pacientes com a doença (ela dura 90 dias e pode ser prorrogada por 30). Até agora, informa ter gasto R$ 2,1 bilhões com isso.

O ministério não respondeu ao questionamento de quantos leitos hoje exclusivos para Covid-19 poderiam ser incorporados ao SUS para tratamento de outras doenças.

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