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Prefeituras e estados contrariam estudos e apostam em guardas armados nas escolas

Especialistas apontam que participação da comunidade é maneira mais eficaz de coibir ataques

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São Paulo

Prefeituras e governos estaduais aumentaram a presença de policiais e de guardas-civis armados dentro de escola nos últimos dias, em uma resposta aos ataques a unidades de ensino registrados nas últimas semanas pelo país.

Essa medida, porém, desconsidera experiências bem-sucedidas na prevenção de atentados em escolas no Brasil, a evidência de pesquisas sobre o fenômeno em outros países e a percepção de especialistas no tema.

Em Cajamar, guarda municipal acompanha a atividade dos alunos da escola municipal Professora Ione Ferreira Couto da Silva ; segurança armada agora é obrigatória em todas as escolas da cidade - Rubens Cavallari/Folhapress

Desde o início desta semana, guardas armados vigiam os corredores de creches e escolas com crianças de zero a 14 anos em Cajamar, na região metropolitana de São Paulo. Uma lei municipal aprovada na última sexta-feira (7) torna obrigatória a vigilância armada em todas as unidades educacionais no município, inclusive as particulares.

Medida semelhante foi tomada em São Bernardo do Campo, onde agora há um guarda civil armado em cada uma das 218 escolas municipais. Os governos estaduais de Santa Catarina e Minas Gerais também anunciaram que vão aumentar a presença de policiais militares nas escolas.

Isso ocorre após o ataque a uma escola estadual da capital paulista que, há duas semanas, deixou uma professora morta e cinco feridos. Na última quarta (5), outra ação deixou quatro crianças mortas em uma creche de Blumenau (SC).

O governador catarinense, Jorginho Mello (PL), anunciou nesta semana que pretende colocar uma pessoa armada em cada uma das 1.053 escolas estaduais no prazo de dois meses e ao custo de R$ 70 milhões. Em Minas Gerais, haverá uma ampliação da patrulha escolar, com a PM realizando mais visitas às escolas em regime de revezamento.

Em São Paulo, como mostrou a Folha, a estratégia em estudo envolve seguranças desarmados e uma linha direta entre diretores e a PM. Na capital, escolas particulares adotaram diferentes tipos de estratégia, como contratação de seguranças durante todo o turno escolar e orientação para que pais e responsáveis conversem com alunos sobre o conteúdo que eles acessam em redes sociais.

O que estudos apontam, porém, é que o trabalho policial é essencial na investigação de suspeitos, não na segurança ostensiva. Segundo especialistas, a prevenção aos ataques é mais eficiente quando ela tem a participação de professores, funcionários e pais.

Uma análise feita pelo coronel Alan Fernandes, oficial da reserva da Polícia Militar e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, aponta que a maior parte dos casos bem-sucedidos de prevenção a atentados no Brasil partiu da comunidade escolar. Ele tomou como base um estudo coordenado pelo professor Daniel Cara, da Faculdade de Educação da USP.

Segundo Fernandes, em 17 casos em que pessoas foram presas antes de cometerem atentados que estavam planejando, menos da metade tiveram a iniciativa dos órgãos policiais.

"Os professores e a comunidade escolar são quem melhor conhece seus alunos, e eles sabem quem tem mais propensão à violência e também quais casos são mais sérios e precisam de envolvimento da polícia", diz o coronel da reserva. "São inúmeros os casos em que a polícia não intervém, porque não precisa."

Ele afirma que o aumento do policiamento em escolas é uma medida que costuma ser adotada nas primeiras semanas após casos de grande repercussão como forma de tranquilizar a comunidade. Com frequência, porém, esses programas são encerrados ou sua intensidade diminui após pais, professores e alunos se queixarem dos procedimentos de segurança.

Nos Estados Unidos, que vive um aumento de massacres em escolas nos últimos anos, ao menos dois estudos apontam que as soluções mais eficazes são as que envolvem professores, pais e estudantes. Já aquelas que usam policiais armados são menos eficientes.

Uma pesquisa publicada em setembro de 2020 pelo Instute of Policy Studies, entidade independente que analisa políticas públicas, diz que não encontrou "nenhuma evidência de que o policiamento nas escolas é efetivo na prevenção de violência escolar ou no aumento da segurança dos estudantes".

No entanto, o instituto diz que encontrou evidências substanciais de que a presença dos policiais prejudicou o desenvolvimento dos estudantes.

Esse estudo aponta que, nas escolas americanas nas quais o policiamento foi implementado, alunos negros, de origem latina, pobres e de orientação LGBTQIAP+ foram desproporcionalmente afetados.

Estudantes negros e latinos foram alvo de 58% de detenções nas escolas em 2017, por exemplo, apesar de representarem 40% dos alunos.

Já uma pesquisa feita pela Secretaria de Educação dos EUA e pelo Serviço Secreto americano apontou que educadores têm mais chances de impedir um ataque se estiverem treinados para identificar uma situação de risco. Esse trabalho preventivo pode ser feito em conjunto com a polícia, mas o papel de professores e gestores é fundamental.

"Sinceramente, essas soluções que envolvem policiais armados [nas escolas] servem para criar um efeito, uma sensação de segurança, as pessoas não percebem que é muito mais complexo do que armar e militarizar o ambiente", diz o sociólogo Sérgio Adorno, fundador do Núcleo de Estudos da Violência da USP. "É muito complicado resolver problemas de sociedades em que crianças são socializadas para a guerra, para morrer e matar. Esse é o pior caminho."

Em Cajamar, a vigilância armada obrigatória é feita mesmo que os profissionais não tenham treinamento específico para trabalhar no ambiente escolar. A prefeitura diz que os guardas municipais "realizam treinamentos constantes e estão aptos a atuar em todo e qualquer ambiente" e que há um serviço de psicologia para auxiliar nessa demanda.

Os guardas ficarão nas escolas até que seja concluída uma licitação para contratar uma empresa especializada em segurança armada. A prefeitura diz que isso será concluído no prazo de 30 dias.

A gestão municipal também diz que as escolas estão realizando rodas de conversa para explicar e discutir a presença de policiais nas escolas com os alunos.

"Existe um papel para a polícia no entorno das escolas, é possível fazer um policiamento mais comunitário, ele pode ajudar a evitar diferentes situações de violência", diz a diretora da ONG Sou da Paz, Carolina Ricardo. "Mas para fazer esse papel preventivo dentro das escolas, ele não é eficiente."


O que fazer em caso de ameaça de ataque a escolas

  • Especialistas afirmam que ameaças não devem ser ignoradas. Por isso, é importante que os pais e escolas procurem a Polícia Civil e canais criados pelo Ministério da Justiça para denunciar qualquer tipo de ameaça

  • Não compartilhe mensagens, vídeos, fotos ou áudios com as ameaças

  • As autoridades precisam ser notificadas sobre qualquer tipo de ameaça, pois quem as produz ou compartilha também pode responder criminalmente

  • Pais, alunos e escolas devem manter diálogo estreito sobre alertas, receios e medidas adotadas. A transparência das ações é importante para aumentar a sensação de segurança

  • Fique atento e informe ao colégio qualquer mudança no comportamento dos alunos

Como denunciar

  • Como parte da Operação Escola Segura, o Ministério da Justiça lançou um canal no site para que sejam denunciados sites, blogs e publicações nas redes sociais. O site para denúncia é o www.mj.gov.br/escolasegura
  • Em São Paulo, no caso de ameaça, é possível ligar para o 181, canal da polícia que permite que qualquer pessoa forneça à polícia informações sobre delitos e formas de violência, com garantia de anonimato

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