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Cientistas pedem acesso mais amplo a dados de estudo com 96 mil pessoas sobre cloroquina

Pesquisa observacional observou maior risco de arritmia e de morte em quem usou medicamento

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Nova York e Paris | AFP e The New York Times

Mais de cem cientistas e médicos pediram acesso mais amplo às informações utilizadas por um amplo estudo sobre cloroquina e hidroxicloroquina publicado no periódico científico The Lancet e questionaram a autenticidade da base de dados utilizada. A pesquisa observacional concluiu que o uso dos medicamentos em pessoas com Covid-19 não só não teve eficácia como aumentou risco de arritmia e morte.

Em uma carta aberta endereçada ao editor da Lancet, Richard Horton, e aos autores do artigo, os cientistas requisitaram detalhes sobre a origem dos dados dos pacientes e pediram que o estudo seja validado de forma independente pela OMS (Organização Mundial da Saúde) ou por outra instituição.

O uso dos dois medicamentos para prevenir e tratar a Covid-19 tem sido foco de atenção pública. Tanto o presidente americano Donald Trump como o brasileiro Jair Bolsonaro têm defendido as drogas apesar da falta de evidências chamadas padrão ouro que comprovem sua efetividade.

À luz desse estudo, a OMS decidiu suspender temporariamente os ensaios clínicos com hidroxicloroquina em vários países. Em seguida, a OMS retirou a cloroquina da lista de drogas que seriam testadas para tratamento da Covid-19 no programa internacional Solidarity.

Publicado em 22 de maio, o estudo se baseia em dados de cerca de 96 mil pacientes internados até 14 de abril em 671 hospitais, o que significa que os autores analisaram os dados, escreveram o artigo e passaram pela revisão crítica da revista em menos de seis semanas.

Os cientistas que assinam a carta também criticaram a metodologia do estudo e a recusa dos autores de revelar informações sobre os hospitais que cederam dados sobre os pacientes ou mesmo de nomear os países onde eles se localizam.

A empresa que detém a base de dados é a Surgisphere, que diz ter acesso aos prontuários médicos de pacientes ao redor do mundo,

"Dados da África indicam que quase 25% de todos os caso de Covid-19 e 49% de todas as mortes no continente ocorreram em hospitais associados à Surgisphere com prontuários eletrônicos sofisticados. Os números de casos e de mortes e os dados detalhados parecem improváveis", escreveram.

Porta-voz da Lancet, Emily Head disse por email que a revista médica tinha recebido inúmeras solicitações sobre o estudo e repassou as dúvidas aos autores. "Vamos oferecer quantas atualizações forem necessárias", disse.

Dr. Sapan S. Desai, proprietário da Surgisphere e um dos autores do estudo, disse que a base de dados que foi usada é um agregado dos prontuários eletrônicos anônimos dos hospitais que são clientes da empresa.

Questões contratuais impedem o compartilhamento de dados dos pacientes, disse Desai, mas eles estão disponíveis para cientistas qualificados que queiram usá-los para fins de pesquisa.

"Nossos rigorosos padrões de privacidade são a grande razão para os hospitais confiarem na Surgisphere, e temos sido capazes de colher dados de mais de 1.200 instituições em 46 países", diz o comunicado.

Ele diz que a empresa é certificada pela International Organization for Standardization e auditada por uma companhia externa, que ele identificou como DQS, ao menos quatro vezes por ano.

Os especialistas que escreveram e assinaram a carta criticando o estudo incluem médicos, pesquisadores e estatísticos de centros médicos acadêmicos incluindo a Harvard T.H. Chan School of Public Health, a Universidade da Pensilvânia, a Universidade Vanderbilt e a Universidade Duke.

"Servindo aos interesses da transparência, gostaríamos de pedir à Lancet para tornar públicos os comentários revisados por pares que levaram à aceitação da publicação desse manuscrito", escreveram.

Allen Cheng, professor de doenças infecciosas da Univesidade Monash em Melbourne, na Austrália, que assinou a carta disse por email que os hospitais incluídos no estudo deveriam ser identificados.

"Idealmente, o banco de dados deveria ser público, mas se isso não é possível o estudo deveria ao menos ser revisado e auditado de forma independente", ele disse.

"Podem dar os nomes dos hospitais canadenses que vocês afirmam que contribuíram para que os dados possam ser verificados de forma independente?", pediu Todd Lee, especialista em doenças infecciosas da Universidade McGill do Canadá, pelo Twitter.

Em um blog da Columbia University dedicado à modelagem, o estatístico Andrew Gelman cita supostos limites metodológicos do estudo e afirma "ter enviado um email para pedir os dados", sem sucesso.

Os autores do estudo dizem que analisaram dados de 671 hospitais em seis continentes que compartilharam informações médicas de cerca de 15 mil pacientes que tinham recebido os medicamentos e 81 mil que não tinham, sem revelar a identidade deles.

As informações da Surgisphere também foram a base de um estudo com pacientes com coronavírus publicado no New England Journal of Medicine no início deste mês por alguns dos mesmos autores, incluindo Mandeep R. Mehra, de Harvard.

Atualização

Nesta sexta (29), a revista médica inglesa Lancet publicou uma lista de correções referentes ao artigo publicado em 22 de maio. A publicação também incluiu um sumário de dados brutos, provavelmente como resposta à solicitação dos cientistas.

Segundo a publicação, porém, os resultados e conclusões continuam sendo os mesmos. "The Lancet encoraja o debate científico e publicará respostas ao estudo, junto com uma resposta dos autores, na revista", disse em rede social. As correções já foram feitas na versão online e estarão também na versão impressa.

As correções, segundo a revista, são:

  • No primeiro parágrafo da seção Resultados, o número de participantes da Ásia e da Austrália deveria ter sido 8.101 e 63, respectivamente. O publicado foi 4.402 da Ásia e 609 da Austrália;
  • Um hospital que se autodesignou como pertencente à Australásia deveria ter sido identificado como pertencente à Ásia;
  • O apêndice do estudo também foi corrigido. A tabela S3 havia sido incluída erroneamente. Ela tinha sido criada originalmente na análise preliminar;
  • Um sumário com dados brutos foi incluído.

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