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Descrição de chapéu Coronavírus

Flexibilização da máscara marca fim do maior símbolo de prevenção à Covid em SP

Desobrigar o uso passa a sensação de pré-pandemia, mas o vírus ainda circula, alertam especialistas

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São Paulo

Se a máscara se transformou no maior símbolo de prevenção à Covid, desobrigar o seu uso em quase todos os ambientes passa qual mensagem? A resposta está na cara: parece que a vida voltou ao pré-pandemia, quando o equipamento ficava reservado aos profissionais de saúde.

Diversas capitais flexibilizaram o uso da proteção facial inclusive em ambientes fechados. A última delas foi São Paulo, após o governador do estado, João Doria (PSDB), anunciar a liberação nesta quinta-feira (17). Ele definiu a situação como um "momento de alegria, de festejar" após quase dois anos de obrigatoriedade.

Doria durante anúncio do fim da obrigatoriedade das máscaras em locais fechados em SP no programa do Datena - Reprodução/Band

Para Vera Paiva, professora de psicologia social da USP, criar essa espécie de dia da libertação é um erro profundo, pois passa a mensagem de que a pandemia acabou. "Os simbolismos da prevenção são relevantes", diz.

De acordo com ela, comemorar o fim do uso reforça a carga negativa que muitos associam à máscara num momento em que ela ainda é necessária em várias situações.

Paiva faz uma comparação com a resposta à Aids, tema que ela pesquisa há mais de 30 anos. No começo, diz a professora da USP, a camisinha passou a ser sinônimo de HIV, ou de coisa suja, o que dificultou a sua disseminação.

"Não é incomum que o maior símbolo de prevenção seja confundido com a própria doença", diz Paiva. "No caso da máscara, a gente teve uma associação ideologizada daqueles que negavam o vírus."

Ela menciona episódios do começo da pandemia em que apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) atacaram profissionais de saúde. Também houve diversos casos de agressão contra quem solicitava a alguém que usasse a máscara.

Para ela, embora essa interpretação não seja dominante, há ainda hoje uma disputa de narrativas, decorrente em parte do desconforto que a máscara provoca. "Demanda costume, prática. Tem que aprender a pôr, a tirar, a descartar. Igual camisinha."

O risco, diz ela, é retomar o estigma de quem precisa da máscara. "As pessoas com comorbidades, mais suscetíveis, podem se sentir desautorizadas a usar. E deveria ocorrer o contrário, um estímulo ao uso, uma distribuição gratuita de equipamento de boa qualidade."

Na pandemia de Covid, contudo, governos hesitaram nos primeiros meses, e a própria OMS (Organização Mundial de Saúde) demorou a recomendar o uso do acessório por toda a população.

A entidade a princípio dizia que as máscaras deveriam ser reservadas aos profissionais de saúde, em parte por receio de faltar o equipamento a quem estivesse na linha de frente. A indicação generalizada ocorreu somente em junho.

Um mês antes, o governo de São Paulo havia imposto a obrigatoriedade e, em abril, o Ministério da Saúde, então sob cuidados de Luiz Henrique Mandetta, tinha feito uma recomendação de uso.

Num artigo publicado na plataforma Frontiers in Public Health, Lucia Martinelli e colegas observaram que, em alguns países asiáticos, não houve necessidade de impor o uso de máscaras, assim como não é preciso prever multas para quem não lavar as mãos. É uma questão de hábito.

Algumas marcas de roupas apostaram na ocidentalização das máscaras e seu avanço no mercado de itens de grife. "Não vamos mais sair de casa sem elas, como já se faz na Ásia há muito tempo", disse em maio de 2020 o estilista Thomaz Azulay, 33, da grife carioca The Paradise.

O artigo de Martinelli também chama a atenção para efeitos concretos da máscara como símbolo, para além da proteção que ela oferece como barreira à circulação do vírus. Alguns estudos mostraram que seu uso está associado a um maior distanciamento nas interações sociais. É como se o equipamento facial servisse como um sinal de alerta do perigo.

Michelle Fernandez, pesquisadora do Instituto de Ciência Política da UnB (Universidade de Brasília), reforça esse ponto. "Ver a máscara torna a pandemia muito presente", diz.

Daí a pressa de alguns políticos em flexibilizar seu uso. "A minha impressão é que se trata de um direcionamento para que a gente pareça viver no mais próximo do pré-pandemia", afirma Fernandez, lembrando que este é um ano eleitoral.

Em São Paulo, Doria fez o anúncio da liberação durante o programa "Brasil Urgente" (Band), do apresentador José Luiz Datena, pré-candidato ao Senado na chapa encabeçada pelo PSDB em São Paulo.

Para Fernandez, essa sensação de normalidade é falsa, já que outros países registram novos aumentos no número de casos.

Especialistas ouvidos pela Folha afirmam que é muito prematuro liberar o uso de máscaras em locais fechados, por causa da circulação da nova sub-variante da ômicron, a BA.2. Há estudos que sugerem que ela possa ser até 40% mais transmissível que a linhagem anterior.

Ana Claudia Farranha, professora de direito da UnB e pesquisadora do Centro de Estudos Avançados de Governo e Administração Pública, critica a atitude das autoridades diante de uma doença que tem ondas. "Os governos acabaram abrindo mão de uma estratégia coletiva em nome de decisões individuais."

Isso tende a ser um problema adicional em países nos quais houve uma divisão ideológica muito clara em torno do uso da máscara. Brasil e Estados Unidos são exemplos claros, onde Bolsonaro e o hoje ex-presidente Donald Trump estimularam o negacionismo.

"A máscara também carregou essa dimensão das orientações políticas. Quem usa é progressista, quem não usa é conservador. É como se a máscara saísse do contexto saúde para ir para o contexto político, para expressar posições", diz Farranha.

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