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Descrição de chapéu paralimpíadas

Degraus de escada forjaram esperança brasileira nos Jogos Paralímpicos de Inverno

Portador de artrogripose múltipla congênita, esquiador Cristian Ribera já passou por 21 cirurgias

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Santos

O esquiador paralímpico Cristian Ribera, 19, ainda tem vivas na memória as recordações da última das três casas em que morou no bairro Vila Ana, em Jundiaí, comunidade na qual passou a maior parte da infância e adolescência.

No espaço dividido com a mãe, o pai, os quatro irmãos e mais cinco sobrinhos, nada o marcou tanto como os 20 degraus que precisava subir e descer diariamente para brincar com amigos.

"Minha mãe sempre falava: ‘Desce, agora. Você não subiu aí sozinho?’ Levo muito para a minha vida essa questão de ser independente", conta à Folha.

Esquiador paralímpico Cristian Ribera, maior esperança do Brasil por uma inédita medalha nos Jogos de Inverno - Marcio Rodrigues/MPIX/CPB

O esforço aparentemente simples e comum à maior parte das pessoas era como um desafio pessoal para Ribera, portador de artrogripose múltipla congênita –síndrome rara que, em seu caso, limitou ainda na gestação o desenvolvimento da musculatura dos membros inferiores.

Auxiliado quase sempre por um skate, fez parte de sua rotina diária a vitória sobre os degraus, que o forjaram como maior esperança do país por uma inédita medalha nos Jogos de Inverno –entre atletas olímpicos ou paralímpicos.

A edição paralímpica de Pequim-2022 começa nesta sexta-feira (4), e o esquiador será (ao lado de Aline Rocha, também do esqui) um dos porta-bandeiras da delegação brasileira.

"Aprendi muito porque também já sofri muito. Fiz 21 cirurgias para corrigir a atrofia das minhas pernas. Eu tinha um sonho: andar. Cortei tendão, coloquei gaiola para esticar, tentei de tudo. Quando eu consegui, estava tão acostumado com a cadeira que não quis mais. Preferi me aceitar", explicou.

Ribera compete desde 2016 na categoria sitting (sentado) no esqui cross-country. Dois anos depois, com apenas 15 anos, era o mais novo entre todos os competidores na Paralimpíada de PyeongChang, na Coreia do Sul. Terminou com uma surpreendente sexta colocação na prova dos 15 km.

Ele conheceu o esporte quase como obra do acaso. Depois de ter praticado modalidades como natação, atletismo, tênis e skate, ouviu desconfiado sobre uma clínica que aconteceria em Jundiaí, oferecida pela CBDN (Confederação Brasileira de Desportos na Neve).

"Eu procurava um esporte que me levasse ao alto rendimento. Pensava no atletismo, na natação. Quando foram à minha cidade falar de esqui no asfalto, ou na neve, eu gostei muito porque exigia força, equilíbrio e tinha adrenalina. E sou mais doido que o normal", explica.

Natural de Cerejeiras, no interior de Rondônia, a doença que o limitou fisicamente fez com que os pais se mudassem para o interior paulista em busca de tratamento quando ele tinha apenas três meses de vida.

Hoje, Ribera é visto como um diamante, um caso fora da curva para quem treina longe da neve com o auxílio de um equipamento chamado roller ski.

Para se aproximar da realidade das provas, conta com o acompanhamento de uma psicóloga. A profissional passa dinâmicas de concentração para que os atletas possam visualizar a neve inexistente no país.

"É uma mentalização. Precisamos ter memórias como se realmente estivéssemos no gelo e o corpo vai se habituando a isso. Nossa prova é ainda mais difícil porque o percurso nunca é o mesmo, tanto que não há recorde mundial."

Esquiador paralímpico Cristian Ribera está pronto para brigar por medalhas nos Jogos de Inverno - Marcio Rodrigues/MPIX/CPB

As credenciais pela inédita medalha aumentaram depois da conquista da segunda colocação no campeonato mundial, disputado em Lillehammer, na Noruega, no fim de janeiro. O resultado veio na prova de velocidade, o sprint, a preferida de Ribera.

No cronograma paralímpico há três provas na modalidade: a mais longa, de 18 km; a média, de 10 km, e o sprint, entre 800 m a 1,2 km. Nas duas primeiras, as largadas dos competidores obedecem intervalos de 30 segundos. Quem fizer o menor tempo vence. No sprint, a disputa entre eles é simultânea.

"Gosto muito das três, mas como fui muito bem no sprint é claro que há maior confiança e expectativa para a prova. Errar o mínimo é fundamental", diz.

Expectativa, por sinal, que Cristian assegura não pesar sobre os ombros. Apesar das projeções de um grande feito já para Pequim, a idade permite sonhar muito além. O atual campeão mundial, o russo Ivan Golubkov, tem 26 anos.

"Estou bem e procuro não pensar muito em cobranças. Eu sei o quanto treinei, o quanto trabalhei, mas sou muito pé no chão. Sonho alto, quero ser campeão paralímpico, mas também entendo que pela minha idade ainda tenho muita coisa pela frente", explica.

Desde o fim de dezembro, ele está na Europa para treinamentos na Itália, Finlândia, Suécia e Noruega. No período, tenta ocupar a cabeça e se inspirar com documentários do atacante português Cristiano Ronaldo e do ex-jogador americano de basquete Michael Jordan, dois de seus principais ídolos no esporte.

"São ótimas inspirações de foco e de como vencer. Eu quero sempre melhorar, mas nada que extrapole a linha de ser a todo o custo."

Na China, o Brasil terá a maior delegação em uma edição dos Jogos Paralímpicos de Inverno.

Além de Ribera, serão mais cinco competidores: Aline Rocha, Guilherme Cruz Rocha, Robelson Moreira Lula e Wesley dos Santos, todos no esqui cross-country. André Barbieri disputará no snowboard.

Ribera pode voltar para casa com o feito de ter subido novamente alguns degraus, desta vez do sonhado pódio nas Paralimpíadas de Inverno.

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