Siga a folha

Descrição de chapéu Olimpíadas 2024

De graça, em Paris, até ingresso sem visibilidade

Moradores são convidados para cerimônia, mas sofrem com o local escolhido para eles

Assinantes podem enviar 7 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Paris

Se lhe dissessem: "você vai poder assistir in loco à abertura dos Jogos Olímpicos de Paris. E de graça", a maioria das pessoas diria "sim". Mas se dissessem: "Só que você vai ficar horas na fila, vai chover e não vai dar para ver nada", o que você responderia?

Essa foi a minha sensação e, certamente, a de muitos dos milhares de moradores de Paris que receberam convites para a cerimônia desta sexta-feira (27) às margens do rio Sena.

Três semanas antes dos Jogos, esses moradores receberam um e-mail de Paris-2024: "Convidamos você a festejar conosco". A proposta era participar de um sorteio para ganhar quatro ingressos para os chamados "quais hauts", os cais superiores do Sena.

"A visibilidade direta para a cerimônia será muito limitada", advertia o terceiro parágrafo do e-mail. Mas quem lê as letrinhas pequenas do contrato? Cliquei no botão "Aceitar" e dois dias depois fui agraciado com um código que me permitiria baixar os ingressos. Os lugares ficavam entre as pontes Alexandre 3º e De l'Alma, com boa visão da Torre Eiffel.

Saímos de casa, eu, esposa e filhas, preparados para enfrentar alguns perrengues. A caminhada de 20 minutos do metrô até a entrada? Há trajetos piores que os Champs-Élysées. A fila de uma hora para entrar? Não foi pior que a de qualquer festival de rock. A chuva? Até refresca no verão, e para isso existem as capas. O gigantesco aparato policial? Um mal necessário em um mundo tão perigoso.

O que não esperávamos era a multidão que se acotovelava na margem do rio, em busca de uma fresta. "Visibilidade muito limitada" era, na verdade, um eufemismo.

Numa extensão de mais de cem metros, tudo que se via eram barraquinhas de comida e bebida, gente sentada na grama enlameada, telões com a transmissão da TV aberta francesa, o topo da Torre Eiffel e um mar de cabeças impedindo a visão do rio. Para piorar, os convivas de um barco de hospitality, estes sim com visibilidade ilimitada, confraternizavam, indiferentes à nossa sorte.

Michel e Tayra, dois jovens parisienses, vendo nosso desalento, vieram nos perguntar: "Mas... e onde é que a gente consegue ver?" "Não dá. O jeito é tentar arrumar um lugar", foi tudo que pude responder. Eles riram e foram procurar.

Quando a cerimônia começou, a chuva deu uma trégua. Até o primeiro barco, da Grécia, chegar, levou mais de 20 minutos. O timing impecável entre um navio e outro, tão decantado nos ensaios da cerimônia de abertura, foi ignorado na hora da verdade.

Alguns minutos depois do início do desfile, voltou a chover. Algumas pessoas começaram a ir embora. Isso liberou alguns espaços na margem do rio. Conseguimos encontrar um buraco, atrás de uma grade que protegia um incongruente trator, estranhamente deixado no meio de um evento olímpico. Foi assim, por uma fresta, que vimos o barco do Brasil passar.

Como vi o Brasil passar, de trás de um trator - Folhapress

Àquela altura, minhas filhas já tinham decidido ir embora. Antes que o desfile chegasse à letra D, já tínhamos decidido fazer o mesmo. O caminho de volta foi mais rápido: algumas estações que estavam fechadas tinham sido reabertas.

Encharcados, derrotados, chegamos à ilha de la Cité (no coração do perímetro "cinza" de segurança máxima) muito antes do final da cerimônia. Então, mais uma surpresa ruim: a polícia fechou todas as pontes impediu os moradores de voltarem para casa.

"São as ordens. Ninguém pode passar até o final da cerimônia", explicou, educadamente, um dos vigilantes, metralhadora a tiracolo. Ao longe, Céline Dion cantava o "Hymne à l'Amour" de Piaf. Os clientes de um bar na esquina aplaudiram.

Era o final da cerimônia, mas não o final do sofrimento. "Temos que esperar ordens", repetiam os policiais a cada morador que tentava passar pela ponte. "Tentem na outra ponte, talvez o chefe lá seja mais flexível."

Minha esposa, mais otimista que eu, foi tentar. Ligou avisando que tinha conseguido passar. Fomos todos para lá.

Atravessamos a ponte, cansados. Só que quando estava quase entrando em casa, olhamos na direção oeste. Um imenso balão amarelo subia lentamente no horizonte, e de imediato reconhecemos a pira olímpica. Na mesma hora qualquer bode provocado pelo perrengue do dia desapareceu. A olimpíada começou.

O balão da pira olímpica visto da ilha de la Cité - Folhapress

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas