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Paris-2024 escancara o ideal olímpico inviável

Na capital francesa, mantra de sustentabilidade e responsabilidade social colide com o gigantismo dos Jogos

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Paris

Seine-Saint-Denis é o departamento mais jovem e mais pobre da França. Ganhou cinco piscinas públicas porque metade das crianças até 12 anos não sabem nadar nem têm recursos para ir à praia nas férias. Uma das piscinas é instalação olímpica, que deveria receber a natação, mas não vai poder. O esporte não cabe no prédio. A saída foi montar uma piscina provisória em uma arena maior.

O delicado desenho do Centro Aquático de Saint-Denis foi concebido então para atender a comunidade. Paris precisou de uma Olimpíada para descobrir que não precisava dela para erguer um belíssimo prédio público.

Essa é a breve história do único estádio construído para Paris-2024, a terceira edição dos Jogos na capital francesa, os mais sustentáveis da história, os de maior preocupação social, os que cortarão pela metade a emissão de carbono registrada em eventos anteriores, os que despoluíram o Sena e os que emprestarão alguns dos cenários mais conhecidos do mundo, como a Torre Eiffel e o Palácio de Versalhes, para disputas esportivas.

Feitos citados como mantra pelas autoridades, de Tony Estanguet, principal executivo do comitê organizador, a Emmanuel Macron, o presidente da República.

Atletas durante treino no Centro Aquático de Saint-Denis, nesta sexta (25) - Reuters

Há muitos méritos na empreitada francesa. Novos parâmetros empresariais e de governança foram estabelecidos; políticas sociais já existentes ganham força com o momento olímpico, como o programa que promove um mínimo de 30 minutos de atividade física em escolas.

A depender de quem faça a conta, o orçamento também se comportou. Uma cifra inicial de 4 bilhões de euros (R$ 24,5 bilhões) cresceu pouco mais de 10% "apenas por causa da inflação", diz Estanguet; 95% dos recursos são provenientes de fonte privada, como patrocinadores e ingressos, e 5% de dinheiro público, "basicamente para bancar os Jogos Paralímpicos, que não têm a mesma tração".

Há outros orçamentos, no entanto, como o de obras de infraestrutura, que sempre aparecem relacionados aos Jogos durante os discursos. A ênfase não é tão grande quando o assunto é gasto público. Segundo estimativas publicadas pelo jornal econômico francês La Tribune, a verdadeira conta somada chegaria a 11,8 bilhões de euros (R$ 73,1 bilhões), com quase metade bancada pelo erário, 5,2 bilhões (R$ 31,8 bilhões).

Tudo tem justificativa, a principal delas uma reforma urbana que poderia rivalizar com a realizada no século 19 por Georges-Eugène Haussmann, prefeito de Paris entre 1853 e 1870. A avaliação é de Simon Kuper, colunista do Financial Times e morador da cidade há duas décadas.

Paris é o que é hoje devido ao ímpeto demolidor do barão Haussmann, que, a pedido do imperador Napoleão 3º, modernizou a cidade no tranco. É neste momento que surgem as grandes avenidas, parques e bulevares, ferramentas urbanísticas para dar fim a um histórico de levantes populares. O resultado foi tão forte que a capital francesa ordenou um crescimento radial no país.

O plano atual, chamado Grand Paris, é uma espécie de subversão desse processo. A ideia é conectar o centro rico da cidade com as "banlieues", os subúrbios parisienses, como o de Saint-Denis, das piscinas e da Vila Olímpica.

Doze estações de metrô foram inauguradas para este ciclo olímpico, metade delas na linha 14, que liga pela primeira vez o norte e o sul de Paris, de Pleyel, próximo ao Stade de France e ao Centro Aquático, ao aeroporto de Orly. A ambição do projeto, iniciado no governo de Nicolas Sarkozy, em 2007, era maior. O argumento olímpico, também nesse caso, tem muitos limites.

Uma viagem de bonde da região de Saint-Denis para Porte Maillot, no leste, serve como prova empírica do potencial de transformação do programa. Na saída, no norte, o carro parte cheio. O trem e os espaços nas ruas vão ficando mais amplos e mais verdes com o passar do tempo. A cidade há tempos é conectada de leste a oeste. Paris já sabia disso antes das Olimpíadas.

Do chão ao teto

O Centro Aquático receberá provas de polo aquático, nado sincronizado e saltos ornamentais. A piscina é modulável e pode ganhar diversas configurações, como duas piscinas de 25 metros. O fundo também é ajustável. Em um dos desenhos possíveis, uma parte das raias ganha profundidade de piscina infantil, para aulas de natação.

As imagens da TV durante os Jogos não farão jus ao equipamento. As faces envidraçadas do prédio, que dão para o Stade de France de um lado e para o bairro do outro, foram escurecidas para não prejudicar a transmissão. Uma arquibancada temporária foi montada em uma das laterais da piscina.

Após os Jogos Olímpicos e os Paralímpicos, a área será reformada para abrigar equipamentos esportivos diversos e ampliar a possibilidade de atividade física para a comunidade da região. Ao mesmo tempo, o local servirá como base de treinamento da Federação Francesa de Natação.

O desenho racional da piscina diminui o consumo de água em 25%. O do teto, com alicerces de madeira, como o brise (quebra-sol) da fachada exterior, vai ao limite da forma para diminuir ao máximo o volume de ar a ser condicionado.

Em uma ponta, espaço suficiente para a plataforma de saltos de dez metros. Na outra, um teto que parece se esgueirar de tão baixo, a ponto de permitir a quem está em sua última fileira de arquibancada o patético exercício de tocá-lo. Paris precisou de uma Olimpíada para construir o provavelmente único estádio olímpico do mundo em que é possível tocar o teto.

O gigantismo dos Jogos não coube no Centro Aquático. Melhor para Saint-Denis.

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