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'Alguns Humanos', de Gustavo Pacheco, anuncia algo novo na literatura brasileira

Com linguagem precisa e rigorosamente sensível, contos não dão margem a sentimentalismos

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O escritor e diplomata Gustavo Pacheco, autor de 'Alguns Humanos' - André Coelho/Folhapress

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Noemi Jaffe

Alguns Humanos

Avaliação:
  • Preço: R$ 65 (144 págs.)
  • Autoria: Gustavo Pacheco
  • Editora: Tinta da China Brasil

De acordo com o perspectivismo ameríndio, as sociedades indígenas da América partilham uma espiritualidade comum, mas se diferenciam apenas por seus corpos. Essa ideia é oposta à de que todos temos uma biologia comum, distinguindo-nos apenas por nossa cultura ou espiritualidade, que é a visão multiculturalista dos povos.

O orangotango Dohong, os muriquis hippies hipersexualizados, as formigas que estão prestes a serem pisoteadas por um menino mimado, todos personagens dos contos de "Alguns Humanos", de Gustavo Pacheco, são como representações ao mesmo tempo claras e profundas da visão perspectivista do real.

É pela leitura dos sentimentos e pensamentos desses animais que, na linguagem entre científica, fantástica e realista do autor, vamos conhecendo a nós mesmos, supostamente humanos. E o que descobrimos a nossos respeito não é exatamente enobrecedor.

Mas não é somente a partir de animais que Pacheco apresenta o humano ocidental, branco e dominador. Podemos nos ver também pelos olhos do escravo Zakaly, dos dioramas indígenas no Museu de História Natural de Nova York, de um botocudo que teria ido parar na Alemanha, da mulher mais feia do mundo, do Dalai Lama tibetano e até mesmo de um Deus que não gosta de quem acredita nele.

São, todos eles, personagens, como os animais, excluídos do nosso convívio comum, tratados somente como objetos de estudo ou seres fantásticos dos quais rimos ou com os quais sonhamos.

Sob essas lentes, o que o leitor descobre são humanos opressores, encobridores, desconfiados e competitivos; mas também outros, melancólicos e abandonados, por quem chegamos a ter compaixão. E, apesar de serem muitas as denúncias contra as injustiças supostamente desumanas que cometemos (já que os não humanos, aqui, são mais dignos do que nós), o livro nunca é panfletário.

Ao adotar a linguagem seca da ciência, com referências diretas a fatos históricos e objetivos, além de fragmentos numerados, os contos não dão margem a sentimentalismos.

Além disso, a ironia (Cid Moreira e um artista performático que realiza práticas xamânicas são personagens) e a ficção contida pelas frases diretas e os desfechos ásperos impedem que o que se denuncia se transforme em pregação.

Pela mirada perspectivista e pela linguagem precisa e rigorosamente sensível desses contos, "Alguns Humanos" anuncia algo novo na literatura brasileira, distante dos dramas urbanos de personagens burgueses e masculinos.

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