O artista deve ser não original, diz Enrique Vila-Matas
Autor espanhol volta a ser publicado no país com 'Mac e seu Contratempo', seu romance mais recente
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Mac, protagonista do novo romance de Enrique Vila-Matas, é um aposentado que pretende reescrever um livro antigo de Sánchez, seu vizinho no imaginário bairro barcelonês de Coyote.
O livro de Sánchez —alter ego quase figurante do próprio Vila-Matas— conta a história de um ventríloquo amaldiçoado pelo fato de só conseguir fazer a própria voz.
Comédia melancólica sobre temas como falsificação, originalidade e repetição artísticas, "Mac e seu Contratempo" marca a volta da publicação no Brasil de Vila-Matas, sem editora no país desde o fechamento da Cosac Naify.
Em livros anteriores, como "Não Há Lugar para a Lógica em Kassel", de 2014, o escritor espanhol recriou a ficção como arte performática, mesclando-a ao ensaísmo crítico.
Por que atacar o mito da originalidade?
Achei conveniente lembrar que o artista de hoje deve ser radicalmente não original. Exemplifiquei com John Cage, que compunha com 15 rádios no palco, sintonizando-os em tempo real. Sem dúvida ele também pensava que, para se criar algo novo, o artista tinha de encontrar um território onde pudesse ser radicalmente não original.
Discuto, no livro, conceitos de originalidade e autoria, e ataco a autenticidade —a retórica ideológica dominante atual—, o que paradoxalmente converte meu romance em uma proposta original.
Comparada a Cage ou às artes visuais, a literatura parece ser a mais conservadora das expressões artísticas. A aproximação com a crítica de arte pode renovar a ficção ou seria mais o caso de ressuscitar a crítica?
Há algum tempo o que chamo de ficção crítica vem renovando a ficção.
A herança de Duchamp, Joyce, Beckett e companhia foi parar nas artes visuais. Por sua inflexibilidade, inquietude e amplitude de olhar, a instalação artística possibilita a dimensão mais radical e fascinante da literatura. O mundo editorial caiu prisioneiro da lógica de mercado.
O dinamismo e a capacidade de renovação da literatura parecem mais fáceis de ser realizados no mundo da arte.
Sua defesa da impostura e agora da repetição têm a ver com a desmistificação do literário, ponto de toda sua obra. No entanto, você é dos autores mais literários. É uma contradição?
Fujo do morto e do fossilizado —grande parte da literatura está assim— e trato de reviver a criação literária.
Por exemplo, digo que o romance morreu e vou a Dublin para assistir ao funeral. Conto isso de tal forma que as pessoas, que nem sabiam que o morto existia, ou que a literatura existia, nem que pudesse ser tão apaixonante, passam a se interessar por ela.
Ao dá-la por acabada, eu a revivo. Mas às vezes preciso negar o que afirmo. Reivindico dois pontos importantes que foram esquecidos na declaração dos direitos humanos: o direito a se contradizer e o direito de cair fora.
Mac ironiza livros póstumos e pensa em falsificar um deles. E há os escritores contemporâneos mortos, cujos "bots" remixam citações no Twitter. Enfim, não seria nocivo impor à literatura uma condição de ready-made?
Nossa época é fascinante para se fazer literatura. E cabe tudo nela, sem precisar impor nada.
Em todo caso, o mais atraente desse exercício está no fato maravilhoso de que a linguagem não reproduz a realidade, mas a constrói e desconstrói a partir de uma inevitável subjetividade, situando-nos frente a um mundo de possibilidades extremas e quase infinito.
O ready-made não é ruim para a literatura, desde que bem utilizado. Ou seja, sempre que permita ao escritor ter vínculo mais dinâmico com a literatura do que costumam ter a maioria dos "literatos".
Mac reescreve "Una Casa para Siempre", seu livro de 1988 que foi destruído pela crítica espanhola, depois resgatado por elogios de Bolaño e Rodrigo Fresán. O que representa a reescrita "à clef" do livro?
Quis retornar a um tema que dá muito jogo: o ventríloquo que só tem uma única voz, o que arruína seu negócio, que consiste em ter muitas vozes. De fato, quis rir do mito literário de que o escritor deva ter "uma voz própria".
Seu senso de humor às vezes passa incompreendido, é visto como excessivamente intelectualizado. David Foster Wallace afirmou que "a ironia passou de liberar a escravizar". Seria uma figura de linguagem anacrônica em tempos tão polarizados?
Espero que [a ironia] não tenha ficado anacrônica demais. Mas com certeza o nível de inteligência da humanidade decaiu.
Em 1969, já havia decaído. Lembre-se do que Nabokov respondeu ao The New York Times: "Com frequência penso que deveria existir um símbolo tipográfico para o sorriso, uma espécie de símbolo côncavo, um colchete arredondado de boca para cima, que agora eu gostaria de desenhar como resposta à sua pergunta".
Inventaram o emoticon, no entanto ainda não existe um símbolo que sirva para a ironia.
Mac e Seu Contratempo
Enrique Vila-Matas. Trad. Josely Vianna Baptista. Ed. Companhia das Letras. R$ 59,90 (288 págs.)
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