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Romance de estreia de lisboeta seria engenhoso, se não fosse calculado

Premiado, 'Uma Outra Voz' revela demais de seus métodos, o que arrisca apagar sua faísca

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Vivien Lando
São Paulo

Uma Outra Voz

Avaliação: Regular
  • Preço: R$ 54,90, 329 págs.
  • Autoria: Gabriela Ruivo Trindade
  • Editora: LeYa

O primeiro romance a gente nunca esquece. A escritora lisboeta Gabriela Ruivo Andrade acreditou nisso e decidiu caprichar. “Uma Outra Voz” foi escrito em quatro anos e reúne recursos de estrutura narrativa e conteúdo suficientes para ter ganho o Prêmio Leya de 2013 para estreantes no gênero. 

Para começar, narra a história de uma família durante quase um século, pelas vozes de diversos personagens, cada um deles completando as informações ausentes no depoimento do outro. Muito engenhoso seria, caso não caísse na artimanha calculada. 

Como se, ao olharmos uma tela de Vincent van Gogh, ele nos obrigasse a medir quantas pinceladas e quais cores usou para chegar ao brilho dos girassóis, em lugar de simplesmente nos deixar inebriar. Quando a arte permite que se espiem as coxias e os métodos exigidos, corre o risco de apagar sua faísca. 

A escritora Gabriela Ruivo Trindade - Divulgação

Além do mais, a autora pretendeu estabelecer vínculos concretos entre o antepassado de sua família que o inspirou e João Mariano, o protagonista paternal e empreendedor, responsável pela transformação da vila de Extremoz em cidade próspera. E ainda protetor incansável da família. 

Para isso se vale de notícias de jornal e fotos de viagem de João Francisco Carreço Simões, o personagem real.  Pouco importa o quanto há de memória e o quanto de invenção. Ensinou o russo Leon Tolstói que somos universais ao falarmos de nossa aldeia.

Para acrescentar mais um fator de acesso ao sucesso fácil, Trindade vincula a trajetória do clã à história política de Portugal, partindo do Estado Novo (1933) até a Revolução dos Cravos (1974). Mas a bem da verdade, quem não tiver bom conhecimento de causa continua na mesma.

Feitas todas as ressalvas, “Uma Outra Voz” tem uma grande qualidade: mostra o quanto a escritora de 48 anos e diretora de uma livraria virtual de obras infantis em português no Reino Unido, onde mora, gosta não de roçar sua língua na língua de Luís de Camões —como diz a letra de Caetano Veloso—, mas de sorver com todos os dentes a obra de Eça de Queiroz

Há no livro referências a “O Crime do Padre Amaro”, homenagens a “Os Maias” e um respeito escancarado pelo que o enorme escritor português plantou na literatura de seus país e do mundo. Amar Eça é sinal de muito bom gosto.

Isso ao mesmo tempo favorece as expectativas quanto a uma continuidade mais feliz de sua autora —e mais desinteressada dos resultados— e acentua aquele segredo público e universal. 

A obra escrita só ganha tarja de boa literatura quando estabelece com o leitor uma ponte do arco-íris, por onde ele possa flutuar livre o suficiente para adquirir mais conhecimento e crescer sem nenhum esforço, nem tédio. Sem dor.

Não é o caso deste livro.

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