Multipremiado, filme chinês faz do longínquo país o lugar onde estamos
'Um Elefante Sentado Quieto' é o primeiro e último longa de Hu Bo, que se matou aos 29 anos
Já é assinante? Faça seu login
Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:
Oferta Exclusiva
6 meses por R$ 1,90/mês
SOMENTE ESSA SEMANA
ASSINE A FOLHACancele quando quiser
Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.
“O mundo é simplesmente asqueroso.” A última frase dita por um jovem antes de dar um tiro na cabeça resume e simboliza “Um Elefante Sentado Quieto”, primeiro e último longa do chinês Hu Bo.
Os créditos, ao final das quase quatro e fascinantes horas de projeção, trazem uma dedicatória ao cineasta, que se matou aos 29 anos sem conhecer a onda de premiações que o filme conquistou em festivais em 2018. Seu ato final agrega um sentido a mais a esse épico fúnebre centrado em personagens que vagueiam feito mortos sem sepultura.
Mesmo que o impacto da proposta pareça único, o filme pertence e prolonga a longa tradição do cinema chinês, retomada após a morte de Mao Tsé-tung, em 1976, marco do fim do comunismo absolutista no país e do início da transformação da China em paradigma de sucesso material.
Os filmes dessa vigorosa vertente da produção chinesa tratam de interpretar a realidade no plano individual, olhar na altura humana para apreender o que o discurso de êxito mascara ou apaga.
Os quatro personagens que o longa de Hu Bo segue vivem em uma cidade qualquer do norte do país, mas seus dramas são tão comuns que podemos reconhecê-los no metrô, no ônibus ou no espelho de casa.
Um garoto sem grana que deseja bens de consumo, um bandidinho que transa com a mulher do amigo, uma garota maltratada pela mãe e um idoso que os filhos querem mandar para o asilo compõem esse quadro de dramas quase imperceptíveis.
As histórias se entrecruzam nas escadas de um prédio, nos corredores da escola ou nas ruas onde não se distinguem construções e ruínas. Ao fim, os protagonistas sem rumo se juntam numa viagem em busca da atração mencionada no título, metáfora da inércia e do excesso de peso.
O que poderia ser mais um filme pessimista sobre a realidade do precariado se impõe com uma estética que valoriza o apagamento.
A longa duração das sequências, os enquadramentos que excluem ou desfocam a ação e a escolha de seguir os atores de costas indicam proximidade com o “slow cinema”, tendência contemporânea que valoriza signos de “profundidade” em oposição à velocidade e à aceleração “descartável” do cinema industrial.
Hu Bo, porém, ultrapassa o efeito de moda ao produzir, com essa estética rarefeita, um sentimento de vazio que conduz incessantemente à violência, último e inútil espasmo de sentido.
Esse modo de sobrecarregar o tempo e de nos impedir de enxergar o espaço além dos limites do quadro nos levam a identificar o longínquo norte da China como o lugar onde estamos.
Receba notícias da Folha
Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber
Ativar newsletters