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Fiscais vão à Bienal do Livro após críticas de Crivella a beijo gay em quadrinhos

O objetivo da visita é verificar a denúncia de que livros impróprios para menores de idade estão sendo vendidos

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Rio de Janeiro

Em menos de 24 horas, reclamações contra um beijo gay numa história em quadrinhos publicada há três anos saíram de grupos do WhatsApp e foram parar no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. De um lado, a Bienal do Livro e as editoras. De outro, a prefeitura carioca e o prefeito, Marcelo Crivella.

Nesta semana, uma ilustração de dois personagens do gibi “Vingadores - A Cruzada das Crianças” dando um beijo gay começou a circular no WhatsApp. Segundo as mensagens, o exemplar havia sido comprado na Bienal do Livro, que vai até este domingo, no Rio Centro.

A notícia chegou à equipe de Marcelo Crivella, que publicou um vídeo em suas redes sociais na noite de quinta. Nele, o prefeito anuncia que censuraria a HQ, mandando recolher os exemplares vendidos na Bienal. Segundo o prefeito, o beijo seria considerado conteúdo sexual para menores de idade, o que iria contra o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Juridicamente, beijo não é considerado pornografia ou conteúdo sexual. Mas, a partir do vídeo, a tensão entre o poder público e a Bienal do Livro só aumentou.

Na mesma quinta, a organização do evento recebeu uma notificação extrajudicial da prefeitura exigindo que exemplares com “cenas impróprias a crianças e adolescentes”, que contivessem “cenas de homotransexualismo”, deveriam ser lacrados e vir acompanhados de um aviso. Caso contrário, deveriam ser recolhidos, sob pena de apreensão e cassação da licença do evento.

A notificação gerou apreensão, mesmo com a Bienal dizendo que não recolheria nem lacraria exemplares. 

Na abertura desta sexta, às 9h, as HQs de “Vingadores - A Cruzada das Crianças” já não podiam ser encontradas na feira —nem no estande da Panini, que publicou a história com a editora Salvat, nem nas demais livrarias que vendem gibis.

Oficialmente, os expositores afirmaram que a história foi toda vendida e que os exemplares se esgotaram. Mas funcionários que falaram com a reportagem disseram que foram orientados a recolher títulos que trouxessem personagens LGBT ou que pudessem gerar polêmicas, pois circulava um boato de que a prefeitura poderia fazer uma fiscalização.

A visita ocorreu. Ao meio-dia, cerca de dez funcionários da prefeitura chegaram. Buscavam exemplares de “Vingadores” e títulos que trouxessem personagens LGBT.

A equipe se dividiu para cobrir toda a área —entre os presentes, estava o subsecretário de operações da Secretaria Municipal de Ordem Pública, o coronel Wolney Dias, ex-comandante da Polícia Militar. De colete e óculos escuros, circulou entre crianças e folheou livros nos estandes.

“Não é censura. Estamos cumprindo uma recomendação da Procuradoria Geral do Município”, disse a jornalistas. Foi a primeira vez que uma fiscalização do tipo ocorreu na história da Bienal do Livro.

O coronel estava acompanhado de fotógrafo, cinegrafista e assessores. Na visita aos estandes da Comix e da Panini, foi filmado e fotografado enquanto analisava alguns títulos. Os outros fiscais estiveram em estandes de editoras tradicionais do mercado.

Às 14h15, quando a visita foi encerrada, Dias foi questionado se havia encontrado algo na Bienal. “Muitos livros”, disse. Segundo a prefeitura, não foi achada nenhuma obra imprópria para menores.

Questionado se já havia ido à Bienal alguma vez, Dias respondeu que sim. Perguntado quando isso ocorreu, não soube precisar. “Faz tempo, muito tempo”, disse.

Mesmo sem a prefeitura ter achado algo impróprio, a organização da Bienal entrou com um mandado de segurança preventivo no Tribunal de Justiça na sexta. Uma liminar foi concedida. Nela, a Justiça impede a prefeitura de apreender livros e cassar o alvará.

A decisão afirma que não é competência do município fazer esse tipo de fiscalização e que “tal postura reflete ofensa à liberdade de expressão constitucionalmente assegurada”.

“A Cruzada das Crianças” foi publicada pela Marvel nos Estados Unidos em 2010. Em 2012, a Panini publicou a versão brasileira em duas revistas e, em 2016, ela saiu num único volume pela editora Salvat.
Editor da Salvat, Fernando Lopes conta que “há um cuidado imenso com o material publicado”. “Se há palavrão, pomos o aviso de desaconselhável para menores de 16 anos. Se há menção a sexo ou cena imprópria, colocamos desaconselhável a menores de 18.”

“Não concordo com a decisão da prefeitura e me parece puramente homofobia. Se eu não censuro um beijo do Super-Homem com a Lois Lane, caso censurasse entre dois personagens gays, o homofóbico seria eu”, diz o editor.

Em nota, a Panini repudiou “qualquer tentativa de censura discriminatória às suas publicações ou às de terceiros”.

A ação da prefeitura gerou uma reação entre as editoras na Bienal, que se manifestaram majoritariamente contra a decisão de Crivella. A Record imprimiu trechos da Constituição sobre liberdade de expressão e a decisão do STF que criminaliza a homofobia.

Crivella se manifestou de novo sobre o assunto na sexta e não voltou a falar em conteúdo sexual. Disse que havia “certa controvérsia na imprensa” pela sua decisão e que deseja defender as leis e a família.

O coordenador de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, Rodrigo Azambuja, pensa diferente. “Manifestações de amor e carinho estão disseminadas e o Supremo já estabeleceu que todas as famílias merecem proteção do Estado. Isso é abuso de autoridade e, pior, criminaliza aquela conduta mostrada no gibi.”

A Defensoria entrou com pedido de parte interessada no mandado de segurança preventivo. O Ministério Público do Rio não se pronunciou, já que nada foi recolhido.

Bruno Molinero viajou a convite da Bienal

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