Siga a folha

Descrição de chapéu
Cinema

Em meio à 'uberização', longa de Ken Loach nos põe no lugar de quem já não tem mais saída

Na ressaca do Carnaval, estreia de 'Você Não Estava Aqui' não poderia ser mais apropriada

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Você Não Estava Aqui

Avaliação:
  • Quando: Estreia nesta quinta (27)
  • Classificação: 14 anos
  • Elenco: Kris Hitchen, Debbie Honeywood, Rhys Stone
  • Produção: Reino Unido, Bélgica, França, 2019
  • Direção: Ken Loach

A estreia de “Você Não Estava Aqui” na ressaca de Carnaval não podia ser mais apropriada. O inevitável retorno ao mundo depois que cai a fantasia tem a ver com a ideia de cinema que o diretor britânico desenvolve há meio século na forma de choques de realidade.

Realismo não é só o termo ao qual recorremos para descrever a capacidade de o cinema captar ou representar a realidade. Realistas são os filmes que revelam algo que está aí e que estamos incapacitados de enxergar ou compreender.

Fiel a esta dimensão, “Você Não Estava Aqui” depura os resíduos de sentimentalismo que Loach adotara quando era um idealista. O que se busca agora é menos compaixão e mais imersão.

A “uberização” do trabalho está por toda parte, nós a integramos e a normalizamos ainda que só no lugar de consumidores. O filme trata de apresentar sua dinâmica, de nos transferir para o lugar de quem já não tem mais saída.

Loach demonstra como a precarização do trabalho não é um efeito simples do fim da estabilidade e dos direitos. Ela depende de um discurso que convence o subordinado de que ele é dono de seus próprios meios, e de que vencer ou perder resulta de escolhas.

De um lado da mesa, Ricky Turner descobre que sua experiência de nada serve. Para escapar da condenação ao desemprego basta comprar uma van e ser disciplinado. Mas o contrato que assina com o liberalismo esconde condições pouco liberais.

A primeira é o endividamento, sem o qual ele não terá acesso à condição de autônomo. A outra é o controle, facilitado pela tecnologia de uma maquininha que impõe um ritmo inumano às entregas. Ricky não é, contudo, um exemplo isolado ou um personagem representativo da atual degradação das condições de vida, como o protagonista de “Eu, Daniel Blake” (2016).

O “eu” do longa anterior ganha a amplitude do “nós” assim que Abbie, esposa de Ricky, entra. O trabalho dela como cuidadora de idosos também é definido por muitos deveres e nenhum direito. 

Embora tenha de lidar com pessoas em situação de fragilidade, ela não pode expressar afetos. Mas no processo de apagar as falhas, ela e Ricky são confrontados com a desordem em casa, na figura do filho jovem que não se adequa.

O roteiro de Paul Laverty avança no ritmo inexorável das tragédias, acentuando a impossibilidade de algum sucesso vir libertar os personagens. Aos 83 anos, Loach filma com senso de total urgência e parece não contar mais com a esperança.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas