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Brasileiros mostram em Berlim filme com sexo explícito e longa sobre nigeriano em São Paulo

Goiano Daniel Nolasco evidencia modos de vida LGBT e paulista Matias Mariani aborda busca familiar em metrópole

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Berlim

Dois brasileiros estreantes em longas de ficção reforçam, nesta semana, no Festival de Berlim, o quanto o cinema brasileiro contemporâneo é diverso.

O goiano Daniel Nolasco chocou os mais recatados com “Vento Seco”, trama LGBT radical sobre desejo, que não poupa cenas de sexo explícito, enquanto o paulista Matias Mariani apostou em despertar a empatia do público com “Cidade Pássaro”, drama intimista sobre um estrangeiro em uma metrópole.

Apresentados na mostra Panorama, a segunda mais importante do evento, os longas não chegam a ser completamente opostos: se dedicam a olhar personagens marginalizados, em narrativas com grande preocupação formal. Mas, de resto, são produtos de sensibilidades, intenções artísticas e esquemas de produção extremamente distintos. 

“Vento” tem linguagem autoral e não teme o artifício e o delírio, mostrando um operário no interior de Goiás que leva uma vida sexual intensa com um colega de trabalho, em um ambiente que mistura realismo com estímulos sensoriais não naturais —até no vestiário há luzes néon.

Mas o filme destoa de toda uma vertente do cinema queer contemporâneo marcada pelo que muitos críticos consideram assimilacionismo: a que busca tornar a representação de LGBTs mais positiva aos olhos da sociedade, tentando ao máximo separá-los de comportamentos sexuais que os tornaram estigmatizados, sobretudo após o surgimento do HIV. Assim, pode muitas vezes acabar por aproximá-los de valores sociais tradicionais —e, logo, conservadores. 

Tal ideia parece causar repulsa a Nolasco, que não se esquiva de mostrar explicitamente práticas fetichistas homoeróticas, incluindo ereções, felações e muito mais, com uma câmera absolutamente voyeuse do corpo masculino.

“Essa ideia de que é melhor as representações de histórias e personagens LGBT se aproximarem dos modelos estéticos e narrativos heterossexuais, organizados e construídos tendo como base a moral cristã burguesa, está disseminada até dentro de algum dos setores mais politizados e, supostamente, progressistas da comunidade LGBT”, diz Nolasco.

“O problema é que as políticas assimilacionistas são muito conservadoras e deram a estrutura e base, por exemplo, para a construção da ideia de mundo do gay de direita. Transferem um problema que é da estrutura da nossa sociedade para o indivíduo.”

“Vento Seco” é um filme que não tem vergonha de falar de (e mostrar) sexo não normativo. E menos ainda de afirmar que os modos de um LGBT vivenciar suas peculiaridades sexuais não são apenas um detalhe em suas vidas; muitas vezes, são até decisivos para sua formação enquanto indivíduos sociais. Pode até parecer erotização gratuita, mas a ultrassexualização em “Vento Seco” é um gesto fortemente político. 

Farto em elenco trans, é um filme notável, reforçando que o cinema feito em Goiás está no auge —vide os conterrâneos “Vermelha”, de Getúlio Ribeiro, e “Parque Oeste”, de Fabiana Assis, premiados ano passado na Mostra de Tiradentes.

“Eu não diria que existe um ‘movimento’, mas vejo que o cinema goiano está vivendo um dos seus melhores momentos”, diz Nolasco.

Já “Cidade Pássaro” tem uma feitura bem mais clássica, usando tons discretos para contar a história de um nigeriano que vai a São Paulo em busca do irmão migrante, que desapareceu na cidade. As linhas da arquitetura paulistana são parte da história em que o africano busca o parente perdido, mas encontra aspectos de si que desconhecia.

O roteiro traz a assinatura de seis pessoas diferentes. “Procurei gente que representasse aspectos do filme sobre os quais eu não tinha conhecimento de causa suficiente para falar [sozinho]”, explica Mariani, que quis evitar fazer um filme que soasse como o de “um homem branco que nunca viveu nada daquilo”.

A intenção foi boa, mas o excesso de contribuições acaba despersonalizando o material. O filme, em sua busca por fidedignidade, soa muitas vezes hipercalculado. E a obsessiva inserção de paisagens paulistanas, de modo a tornar São Paulo a grande personagem do filme, faz com que algo de orgânico se perca ali.

Mas é um filme bonito, sobre calor e acolhimento humano, que inclusive extrapola a abordagem corriqueira da vida de um estrangeiro em São Paulo: questiona até que ponto, no mundo de hoje, um indivíduo pertence a um único lugar.

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