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Descrição de chapéu Cinema festival de veneza

Ridley Scott ressurge em Veneza com drama medieval sintonizado com o MeToo

'The Last Duel' é estrelado por Adam Driver e foi escrito por Matt Damon e Ben Affleck, mesma dupla de 'Gênio Indomável'

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Veneza

É meio difícil saber o que esperar de um novo filme de Ridley Scott, diretor escolhido para encerrar a instigante 78ª edição do Festival de Veneza. Afinal, há o Scott inovador, de “Blade Runner”, de 1982; o libertário, de “Thelma e Louise”, de 1991; o conservador, de “Falcão Negro em Perigo”, de 2001; e por aí vai.

Em seu novo filme, “The Last Duel”, exibido fora de competição, o veterano surge em sua verve mais progressista, antenado à sensibilidade de 2021, com um longa em defesa da liberdade feminina.

O longa marca a volta da parceria dos atores Matt Damon e Ben Affleck enquanto roteiristas. Sua última colaboração havia sido na obra que os lançou ao estrelato em 1997, “Gênio Indomável”, pela qual ganharam um —discutível— Oscar.

Matt Damon em cena do filme 'The Last Duel', de Ridley Scott - Divulgação

Desta vez, porém, dividem os créditos com uma mulher, Nicole Holofcener, conhecida pelo roteiro de “Poderia Me Perdoar?”, de 2018. Faz sentido. Para um filme com intenções tão abertamente feministas, ter um texto elaborado apenas por dois marmanjos poderia dar margem a críticas, e o filme parece querer tudo menos causar problemas com a Hollywood dos tempos de MeToo.

“Damon e Affleck tinham a necessidade de alguém que escrevesse a parte da personagem feminina, Marguerite, então me chamaram”, afirmou Holofcener em entrevista coletiva, ressaltando, porém, que os três roteiristas participaram da confecção de todas as personagens principais por fim.

O roteiro é cuidadoso com as palavras e situações —foi feito com zelo. Mas na entrevista, os atores nem sempre mostraram a mesma cautela. “Eu me considero um feminista”, disse Affleck à imprensa, certamente com boas intenções, mas talvez ignorando que parte da militância acredita que “ser feminista” é algo reservado exclusivamente à mulher.

Seja como for, o filme traz Scott mais uma vez antenado às pautas identitárias, assim como em seu longa anterior, “Todo o Dinheiro do Mundo”, de 2017, que apagou a presença do “cancelado” Kevin Spacey, acusado de abuso sexual, e o substituiu por Christopher Plummer.

Aos 83 anos, o diretor está cheio de projetos, como o aguardado “A Casa Gucci” e uma sequência de “Gladiador”. O começo de “The Last Duel” é marcado por cenas rápidas, e algumas sequências dão a impressão de terem sido cortadas antes da hora —a princípio, parece que Scott estava mais preocupado com algum de seus novos projetos do que propriamente com o filme em questão.

Mas logo descobrimos que isso faz parte da narrativa. A trama revisita em geral os mesmos episódios, mas vistos por três diferentes personagens, dois amigos guerreiros e a mulher de um deles. Por isso a necessidade de ir só ao essencial.

A história se passa na França do século 14, quando Jean, vivido por Damon, um militar de origem aristocrática, enfrenta em um duelo Jacques —Adam Driver—, também guerreiro, mas vindo de um meio social bem mais humilde. O motivo da rixa é Marguerite, interpretada por Jodie Comer, casada com Jean e que acusa Jacques de estupro.

Quando Jean deseja enfrentar o desafeto, ninguém questiona suas razões. Afinal, Jacques cometeu um “crime contra a propriedade de um homem” ao estuprar Marguerite —a violência sexual em si é secundária aos olhos daquela sociedade.

É interessante a opção do roteiro por três versões de uma mesma história, mas talvez esse não fosse o melhor tema para usar a estrutura, uma vez que ela contradiz as intenções do filme. Afinal, partir do princípio de que cada narrativa é apenas uma versão de algo, e não a verdade propriamente dita, exige que todas precisem ser relativizadas –fica meio sem sentido que apenas a de Marguerite seja tida como a “verdade”.

Mas o espectador entende o que o filme quer –mostrar o quanto os homens tendem a ver as situações segundo um ponto de vista extremamente falocêntrico. Enquanto denúncia do sexismo absurdamente opressor daqueles tempos, e que deixaram raízes ainda hoje, “The Last Duel” é um filme bem-sucedido.

Na reta final da mostra competitiva em Veneza, nenhum filme surgiu com uma força que pareça capaz de desbancar os dois favoritos ao Leão de Ouro —“Madres Paralelas”, do espanhol Pedro Almodóvar, e “A Mão de Deus”, do italiano Paolo Sorrentino.

Talvez a franco-libanesa Audrey Diwan seja a única real ameaça, já que seu “L’Événement” teve uma recepção bastante calorosa. Mas o filme, que mostra as dificuldades de uma garota para fazer um aborto, tem contra si o fato de surgir apenas um ano após outro com o mesmo tema, “Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre”, que rendeu à americana Eliza Hittman o Grande Prêmio do Júri no Festival de Berlim de 2020.

O russo “Captain Volkonogov Escaped”, da dupla Alexey Chupov e Natalya Merkulova, deixou o público mais dividido, mas é provavelmente a obra mais ousada esteticamente de toda a competição. Mostra um agente soviético que participou de vários assassinatos de suspeitos de subversão, obrigados a assumir crimes que não cometeram antes de morrer.

Arrependido, ele procura a família de cada vítima e relata o que de fato aconteceu. O filme mescla energia pop e um tom de denúncia política, com rompantes de surrealismo, num acerto de contas com um passado que a Rússia ainda não conseguiu superar.

Pelo Lido, há quem acredite ainda que os filmes do americano Paul Schrader, “The Card Counter”, e da neozelandesa Jane Campion, “The Power of the Dog”, também tenham chances de levar o Leão. A resposta virá apenas com a cerimônia de entrega dos troféus, que acontece neste sábado.

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