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'Vinco', livro de Manoela Sawitzki, emociona, mas escorrega nos excessos

Narrativa sobre jovem de gênero fluido se equilibra em linha entre o verossímil e o factual e fracassa ao abraçar o mundo

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Ligia Gonçalves Diniz

Professora de teoria da literatura na Universidade Federal de Minas Gerais

Vinco

Avaliação: Bom
  • Preço: R$ 69,90 (256 págs.); R$ 39,90 (ebook)
  • Autoria: Manoela Sawitzki
  • Editora: Companhia das Letras

"Meu corpo é um território instável" e "é a primeira vez que o percorro com liberdade", diz Manu quase ao final de "Vinco". Transcrever a passagem não significa, porém, dar um "spoiler" do livro de Manoela Sawitzki —é um romance de formação e, portanto, o protagonista está à procura de um sentido para sua vida. Sabemos ainda que esse sentido é mediado pela fluidez de sua identidade de gênero.

Na abertura de "Vinco", Manu calça os patins da irmã —"botas brancas de salto alto sobre rodas pink"— e nos puxa pela mão para deslizarmos com ele, desde criança até a vida adulta, da zona sul carioca dos anos 1990 ao interior de Pernambuco, passando por anos tensos em Paris.

Detalhe da capa do livro 'Vinco', de Manoela Sawitzki - Divulgação

Acompanhamos sua vida com gosto, sofrendo pelas violências que enfrenta e querendo, num dia duro, tomar um vinho barato com ele —ou com ela. Entretanto, apesar de contundente, o livro erra ao querer abraçar o mundo.

O romance de formação de viés realista se equilibra sobre uma linha sutil entre o verossímil e o factual. Ao criar uma história que "poderia ter acontecido", o autor precisa dosar bem o que incluir. No caso de Sawitzki, essa dosagem é descalibrada, e o leitor acaba tendo de enfrentar uma profusão de detalhes desnecessários.

São ruídos que nos distraem das experiências da juventude de Manu, marcadas pela violência do irmão e pela indiferença da mãe, mas também pela cumplicidade do pai e, ponto alto da primeira parte da trama, pela educação sentimental oferecida pela avó.

Fica enfraquecida a comunhão encontrada por Manu com jovens, como ele mesmo, à margem. É pena, pois Sawitzki sabe desenvolver as relações e domina a técnica da construção de diálogos, internos ou entre personagens.

O esforço de explicar os acontecimentos tem o efeito de deixar as intenções à mostra, revelando a infraestrutura ficcional e afastando o leitor.

Uma dessas intenções é a de fazer o romance falar de seu tempo, por meio do apelo desmedido aos conflitos do mundo —ditadura militar; violência sexual; invasão de terras indígenas; tudo isso está lá.

A profusão de bandeiras não era necessária. Sawitzki já tinha sua luta central, que enfrenta com energia e delicadeza. Num momento em que tanto se censura, de modo às vezes obtuso, a apropriação ficcional de vozes dissidentes, é admirável que uma mulher cis tenha dado o próprio apelido a um personagem de gênero fluido. Nesse gesto, há uma homenagem à literatura e uma aposta na força da ficção, que é compartilhar a experiência do diferente.

Essa aposta se consolida no final do livro, em que se afrouxa o esmero em denunciar as mazelas do mundo e se enfoca o drama pessoal e familiar da personagem, que procura se reconectar com o pai.

O tom idílico da última seção, quebrando o realismo mais bruto das anteriores, realiza com sucesso o que estava antes atravancado pela factualidade excessiva.

Mesmo sem resolver nenhum problema político ou social, a trama enfim se livra da missão autoimposta de representar os tumultos e injustiças e pode concentrar o olhar do leitor sobre a beleza desse protagonista que, pela própria existência, está mudando o mundo, mesmo que só um pouco.

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