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Anitta se equilibra entre risco e mesmice do pop em 'Funk Generation'

Cantora volta às origens e empacota funk em disco que pendula da ousadia à monotonia e testa limite de artista internacional

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Funk Generation

Avaliação: Bom
  • Onde: Nas plataformas digitais
  • Autoria: Anitta
  • Gravadora: Republic Records

Do Santo Amaro, no Rio de Janeiro, ao Helipa, em São Paulo, passando pela Inestan, em Belo Horizonte, até o Clube da Compesa, em Recife. Em qualquer baile funk do Brasil é provável que Anitta não seja mais vista como funkeira.

Há muito que a artista deixou o MC, como se o título lhe prendesse aos palcos e DVDs da Furacão 2000. Foi, viu e venceu na gringa. E agora volta ao berço com seu "Funk Generation", que vacila entre ousadia e monotonia.

Anitta em divulgação de 'Funk Generation' - Divulgação

Hoje, Anitta é global. Tem um show memorável no Coachella, flana em tapetes vermelhos com a mesma desenvoltura com que dança, tece conexões pan-americanas e europeias. Se "Kisses", de 2019, fez da jovem de Honório Gurgel convidada de honra de premiações e "Versions of Me" assegurou seu lugar em meio à onda latina do pop, "Funk Generation" é seu passo à frente no mundo com a música que ela traz de berço.

O disco, com 15 faixas, faz o combinado. É um álbum de funk. Por isso, quando Anitta dá vazão ao devir do gênero, sua agressividade e sua lascívia, dá certo —chega até a se conectar com outras músicas de chão e paredão da América Latina. Quando tenta domar o funk, porém, Anitta torna opaco o brilho de seu trabalho. O disco patina com canções esquecíveis.

"Funk Generation" se sustenta em três escolas do funk: primeira geração, que surge no álbum com a batida Volt Mix, entre eletro de Los Angeles e Miami bass; a geração da virada dos 1990 para o 2000, situada entre as batidas feitas com a boca e o tamborzão; e a geração atual, entre a violência seca do surdo e o ataque agudo da caixa —que fazem o "tum-tcha-tchá tum-tchá".

Anitta não menospreza seu ouvinte. Ela e seu time encaixam as batidas e as texturas dessas diferentes gerações como um quebra-cabeça sem gabarito. Em "Grip", a artista brinca com a levada que ficou famosa em "Baby Got Back", do rapper Sir Mix-A-Lot.

Na música, ela canta sobre um beat que tem os mesmos gemidos e traçado de "Aquecimento Abre as Perna e Relaxa", além da harmonia que lembra "Popozuda Rock 'N' Roll", do grupo DeFalla. Um prato cuja avaliação fica a gosto do freguês.

Esse jogo da memória aos ouvidos se estende. Quando acerta, o álbum não soa nostálgico dos tempos idos nem tampouco pastiche dos tempos vividos. O interlúdio "Savage Funk", abertura da seção mais interessante do disco, mostra uma Anitta tão afrontosa quanto as batidas maximalistas que a acompanham. "Cria de Favela" acentua esse lado áspero —Anitta rima mais do que canta e explora seu lado MC de baile.

"Puta Cara" mantém esse ímpeto de usar o funk como vasta plataforma de criação que é. Anitta consegue brincar com os versos e puxar o baile nas diferentes seções da faixa, desta vez acompanhada pelo beat conhecido como "Tá Tá Tá".

"Sabana" eleva a aposta e leva. Ecoando o enxuto e grave funk de Belo Horizonte, abrindo espaço para o violino clássico de "Já É Sensação" (ou "Thong Song"), Anitta e seu time não deixam dever aos primeiros movimentos experimentais de artistas como Arca a Sophie.

As sementes que Anitta lançou na região do Grande Caribe desde seu último álbum renderam frutos. "Double Team" é funk na batida e reggaeton na levada, com a participação de Bad Gyal e Brray —expoentes da ala mais soturna do gênero. "Aceita" é um cruzamento na medida entre dembow e funk, conexão Santo Domingo e Rio de Janeiro, que novamente coloca Anitta entre o canto e a rima, falas diferentes.

A destreza que a artista tem com línguas estrangeiras é essencial ao disco. Anitta pula entre seu carioquês, o espanhol caribenho e o inglês norte-americano numa mimese do que faz sucesso hoje na música. Já nas letras, a habilidade é limitada. "Meme" poderia ser do último ou do terceiro disco. No seu lirismo, Anitta evoca uma mulher dona de si, mas não se lança. Soa repetitiva. O tema das músicas não é desculpa: MCs de funk falam de festa e sexo há anos sem parar de se renovar.

"Love in Common" ressalta esse aspecto junto da maior fragilidade do álbum: a tentativa de Anitta de adaptar o funk para formas do pop norte-americano. A faixa a tira do posto de MC e a relega a um papel inofensivo, uma voz em meio a tantos projetos de diva pop. Que pese sua paixão pelas melodias, coisa que sempre demonstrou, há muitas formas de encarar a canção —e o Brasil está cheio delas, bem mais saborosas que os sons de playlist feitos à exaustão nos Estados Unidos.

Em "Fria" fica evidente uma vez mais esse funk às avessas somado a um medo do risco. Esse temor soa até em tentativas de refazer sucessos: "Joga Pra Lua", lançada há alguns meses, parece querer trilhar o mesmo caminho de "Tá OK" —ambas são assinadas por Dennis DJ, aquela tem 140 milhões de visualizações no YouTube, esta tem 20 milhões. "Funk Rave" emula a entrada do EDM no funk de São Paulo, tendência que data ao menos de três anos atrás.

Entre muito que podia ser e tudo o que foi, "Funk Generation" terá seus êxitos entre o público internacional e entre o público brasileiro. Já será um feito. "Ahi", com Sam Smith, exemplifica esse lugar: Anitta canta como os melhores MCs do funk 150 e entrega um refrão pegajoso, um beat que faz até o falsete do britânico dançar. De fato, o álbum apresenta o funk para o ouvido do Norte Global. Cabe descobrir se isso será suficiente para atrair o dinheiro de lá na turnê da cantora na Europa e nos EUA.

Se Anitta é uma artista internacional, precisa ser encarada como tal. Se é funkeira, também. Alguns nomes com quem ela esbarra nos grandes corredores de festivais do mundo tem enxergado o pop para além do básico —de Beyoncé e seu suposto disco tríptico até Taylor Swift, ainda que sempre falando de si.

Já artistas de funk têm dado provas incontestes do seu poder de fogo criativo e nunca o gênero foi tão popular no mundo. Anitta extrapolou a fórmula em "Funk Generation", foi às suas origens e voltou, mas poderia ter ido além. "Lose Ya Breath", faixa que abre o disco, seria incrível se tivesse sido lançada em 2003, ali entre Deize Tigrona com "Injeção" e M.I.A com "Bucky Done Gun". Foi o futuro, hoje é no máximo o presente.

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