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Nos 25 anos de 'Matrix', 'red pills' e progressistas brigam pelos símbolos do filme

Quebra de realidade de clássico contemporâneo de ficção científica é apropriada por diferentes movimentos

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Vitor Rosasco
São Paulo

"Matrix", lançado no Brasil em 21 de maio de 1999, sempre suscitou debates para muito além do cinema. O filme questiona o que denominamos realidade, provocando o espectador a pensar se é, ou não, livre. Há, também, leituras da extrema direita que extraem dele dois símbolos principais: as pílulas vermelha e azul.

A pílula vermelha, oferecida por Morpheus a Neo em uma das cenas mais conhecidas da história, representa a saída de um estado de aprisionamento. O protagonista tem duas opções: tomar a pílula azul e acordar em casa, sem lembrar de nada, ou tomar a vermelha e descobrir o que é a matrix, uma realidade simulada por inteligências artificiais que mantém os humanos sob controle, como baterias.

Cena de 'Matrix'; ponto de vista de Neo, interpretado por Keanu Reeves, em um corredor com agentes ao fundo - Divulgação

Exemplos de cooptação desses símbolos não faltam. Em 2020, Abraham Weintraub, ex-ministro da educação do governo Bolsonaro, e Elon Musk, bilionário dono do X, usaram a metáfora das irmãs Wachowski para defender o negacionismo na Covid-19. Tomar a pílula vermelha, no caso, era sinônimo de perceber uma suposta farsa da pandemia que, só aqui, matou mais de 700 mil pessoas.

O movimento redpill se apropria de "Matrix" de forma mais estruturante, menos episódica, e é constituído por homens que ressentem os avanços dos direitos femininos. Para os redpillados, "saíram da matrix" aqueles que enxergam a dominação do mundo pelas mulheres, que controlariam o "mercado sexual" do qual estão excluídos.

Cena de 'Matrix'; Morpheus, interpretado por Laurence Fishburne, segura duas pílulas, vermelha e azul - Divulgação

Pesquisadoras, Bruna Amato e Raquel de Barros publicaram, no início deste ano, artigo intitulado "De 'Matrix' a Suzano". Nele, discorrem sobre movimentos masculinistas, como redpills e incels —sigla para celibatários involuntários.

Segundo elas, as primeiras comunidades de incels não tinham caráter misógino, eram grupos de desajustados buscando ajuda mútua. A misoginia e os discursos de ódio aparecem quando uma dessas comunidades bane as mulheres e cruza seus usuários com o 4chan, "famoso reduto de extremistas, racistas, antissemitas, lgbtfóbicos e toda sorte de homens preconceituosos", escrevem.

O 4chan é uma página que se baseia na postagem de imagens e textos, um fórum de discussão anônimo, exceto para os administradores, dividido em subfóruns com regras e conteúdos específicos.

Amato e Barros explicam. "Esse homem branco, heterossexual, que está no topo da cadeia alimentar, mas não faz sexo, muito antes dele encontrar um discurso que o faça compreender e questionar como o patriarcado impõe normas de socialização e hierarquização aos próprios homens, vai aceitar a retórica de que a mídia, o Estado, a sociedade, os governos ou qualquer sistema, na realidade, privilegia as mulheres e que nós somos as verdadeiras inimigas."

Uma interpretação progressista, que se baseia em um dos lemas do longa, "escolha é uma ilusão", aponta para a falsa liberdade do circuito publicidade-consumo. "Matrix" pode ser lido como uma crítica à sociedade de consumo e à exploração capitalista; troca-se, apenas, humanos por máquinas.

Isabel Jungk, professora da PUC-SP, preocupa-se com a mensagem publicitária de que tudo está ao alcance das pessoas, como se não houvesse limites financeiros, por exemplo. "Esse capitalismo é mais cruel do ponto de vista físico e psíquico. Há um marketing da performance, do desempenho."

O simulacro –conceito do filósofo francês Jean Baudrillard, que inspirou o filme– é, na visão dela, uma saturação de signos distorcendo a realidade, ao ponto de acreditarmos nessas representações. "É a mente que está na matrix."

Cena de 'Matrix'; da esquerda para a direita, Cypher (Joe Pantoliano), Mouse (Matt Doran), Trinity (Carrie-Anne Moss), Neo (Keanu Reeves), Morpheus (Laurence Fishburne), Switch (Belinda McClory) e Julian Arahanga (Apoc) - Divulgação

Para as diretoras Lilly e Lana Wachowski, "Matrix" é uma metáfora trans. Ambas assumiram a transgeneridade em 2012 e 2016, respectivamente. Havia uma personagem trans no roteiro original, Switch, interpretada por Belinda McClory, que teria gêneros diferentes dentro e fora da matrix. Isso não permaneceu, segundo Keanu Reeves, por resistência do estúdio.

A diversidade do elenco, bem à frente do seu tempo, e o mote transformador do filme apontam para o mesmo fim. Ainda assim, resta a dúvida: "Matrix" é um filme vago, fácil de ser cooptado, ou generoso, uma vez que rende inúmeros debates e interpretações?

A disputa seguirá aberta por, pelo menos, mais 25 anos. Um novo filme foi anunciado, o quinto da franquia, com direção de Drew Goddard, de "O Segredo da Cabana" (2011), sem previsão de estreia, por enquanto.

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