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Polícia investiga venda de obras falsas de Maria Lira Marques por R$ 360 mil

OUTRO LADO: Suspeito, que diz ser professor de pintura, nega o crime de estelionato, e leiloeiro diz ter ressarcido compradores

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São Paulo

A Polícia Civil de São Paulo investiga um professor de pintura por suspeita de comprar e vender por R$ 360 mil telas falsificadas de Maria Lira Marques, artista do vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, em ascensão no mercado e com uma exposição retrospectiva de seu trabalho em cartaz agora no Instituto Tomie Ohtake, na capital paulista.

Ao menos 25 trabalhos falsos circularam, dez dos quais foram leiloados, segundo a polícia. As obras falsas vendidas no pregão, disponível no YouTube, arrecadaram R$ 200 mil. Em média, os quadros de Lira Marques são vendidos por valores de R$ 25 mil a R$ 50 mil no mercado.

Segundo a Polícia Civil, o professor Carlos Alberto Borsa Filho comprava pinturas e desenhos feitos por outro homem de Embu das Artes, na Grande São Paulo, que falsificava a estética da artista. Lira Marques faz ilustrações do que chama de bichos do sertão, usando pigmentos criados com diferentes tipos de terra.

Uma das pinturas falsas de Maria Lira Marques leiloada pela Spiti - Divulgação Spiti

Borsa foi detido em São Paulo no dia 5 de abril, prestou depoimento aos investigadores e foi liberado. Ele agora é investigado por estelionato, crime com pena de um a cinco anos de prisão. Por telefone, ele confirmou que comprou as obras, mas não quis responder a outras perguntas. Seu advogado, Frank de Carlos Azevedo, afirma que as pinturas foram adquiridas numa feirinha de arte.

O advogado argumenta que seu cliente, um fã da obra da artista, "viu no preço das obras uma oportunidade", embora tenha desconfiado do valor. Conta ainda que, para se certificar da autoria, Borsa entrou em contato com uma pessoa que convive com Maria Lira Marques, Hélia Nogueira, que teria mostrado fotos das pinturas para a artista. Lira Marques teria então confirmado que fez as obras.

"Borsa foi vítima de um falsário e tentou legitimar as obras no momento em que entrou em contato com alguém do convívio de Maria Lira. E recebeu um okay. Quando foi preso, tomou ciência de que as obras seriam falsas. Ele não sabia", diz o advogado.

Por telefone, Hélia Nogueira afirmou que de fato Borsa enviou as fotos das obras para ela, mas que Lira Marques, confusa por causa da idade, dizia que algumas eram de sua autoria, e outras, não. No entanto, ela acrescenta que, quando a artista viu as obras presencialmente, em São Paulo, teria dito que não tinha feito nenhuma.

De acordo com a polícia, Fábio Cimino, dono da galeria Zipper e um dos sócios da casa de leilões Spiti, comprou de Borsa ao menos 25 das obras falsas sem saber. Dez foram leiloadas em outubro passado, pela Spiti, e as outras 15 foram apresentadas à polícia sem terem chegado ao mercado.

Cimino pagou R$ 160 mil pelas dez obras leiloadas. Pelas outras 15, desembolsou mais R$ 200 mil. Ao todo, seu prejuízo foi de R$ 360 mil. De acordo com a polícia, Cimino só descobriu que as telas eram falsas depois do pregão. O leilão foi considerado um sucesso. Uma das telas teve 18 lances, e outra, 12.

O catálogo do pregão está disponível no site Spiti.auction. Casas de leilões costumam deixar registrado em seus sites as informações das obras. Algumas das maiores do mundo, como a Sotheby's, também publicam os valores das vendas, dado que o mercado de arte usa os pregões para balizar a valorização de um trabalho e rastrear em quais coleções as obras estão.

Por telefone, Cimino se disse honesto e afirmou que as pessoas que compraram as falsificações em seu leilão foram ressarcidas. Também afirmou que houve outros pregões com obras falsas da artista. Ele não quis responder a mais perguntas e chamou esta reportagem de fofoca.

Cimino ficou com o prejuízo de R$ 360 mil e não foi ressarcido, segundo o advogado de Borsa, o suspeito. O advogado diz que Borsa pode ter usado a totalidade desse dinheiro, mas pediu que as informações de onde o montante foi gasto não sejam divulgadas. Diz ainda que seu cliente quer devolver o valor.

A identidade do falsificador das obras, que vive em Embu das Artes, é desconhecida. A Justiça autorizou a quebra de sigilo bancário de Borsa —o objetivo é que seja possível rastrear, pelo extrato, para quem ele transferiu o dinheiro nos últimos meses e assim chegar ao falsário.

O galerista de Lira Marques em São Paulo, Thiago Gomide, da galeria Gomide & Co, não quis comentar. Foi Gomide quem descobriu o esquema e organizou um flagrante em sua galeria para que Borsa fosse detido, segundo o advogado de Borsa.

A artista está ciente do imbróglio. Ela fez uma declaração, registrada em cartório, afirmando que as obras em questão não eram de sua autoria.

Quem é Maria Lira Marques

Maria Lira Marques, de 78 anos, vem ganhando o circuito das artes nos últimos cinco anos, de modo que suas pinturas, desenhos e pedras —nas quais também pinta seres que lembram bichos—, estão cada vez mais valorizados. Embora ela faça esse tipo de trabalho há mais ou menos três décadas, seu reconhecimento é recente.

Natural de Araçuaí, no vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, onde mora, ela também desenvolveu uma pesquisa na qual registra os cantos dos moradores da região, que tem os piores indicadores sociais do Brasil. São versos de trabalho de tropeiros, boiadeiros e canoeiros, músicas religiosas, cantigas de roda e de pedir esmola, algumas das quais podem ser ouvidas na exposição no Tomie Ohtake.

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior desta reportagem afirmava que o catálogo do leilão havia sido retirado do ar, mas ainda há um ​site online com as informações. A informação foi corrigida. 

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