Siga a folha

Descrição de chapéu
Filmes

'A Música Natureza de Léa Freire' experimenta um novo cinema possível

Documentário ilumina obra da artista pouco conhecida no Brasil e mostra sua importância como referência de ruptura nas artes

Assinantes podem enviar 7 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Piero Sbragia

A Música Natureza de Léa Freire

Avaliação: Bom
  • Quando: Em cartaz nos cinemas
  • Classificação: 10 anos
  • Produção: Brasil, 2022
  • Direção: Lucas Weglinski

A chave para entender "A Música Natureza de Léa Freire" está depois dos créditos finais. A protagonista aparece de camiseta preta com a frase: "Cuidado, velha maluca!".

Na língua portuguesa, a origem da palavra maluco é controversa. A maioria dos linguistas diz se tratar de um indivíduo doido, louco ou extravagante. Alguém que sofre das faculdades mentais.

'A Música Natureza de Léa Freire', documentário de Lucas Weglinski, apresenta trajetória da musicista que mescla o erudito e o popular - Caroline Bittencourt/Divulgação

O professor José Pedro Machado, autor de um dos mais antigos dicionários etimológicos da língua portuguesa, acredita que maluco venha das Ilhas Molucas. Um arquipélago indonésio que era a única fonte de noz-moscada e cravo do planeta até o século 15. A resistência dos nativos ao extrativismo europeu os fez serem apelidados de loucos selvagens.

O pequeno introito ajuda a nos aproximarmos de Léa Freire, essa espécie de pessoa selvagem que renuncia à vida dita civilizada. Mesma ruptura que o diretor Lucas Weglinski, responsável também pela montagem, faz nas sequências em que a protagonista toca algum instrumento. A sequência final, depois dos créditos, chega a ter mais de dez imagens ao mesmo tempo na tela.

Não com uma divisão rígida entre elas, mas com certa selvageria visual. Cada frame tem vida própria, imitando até um trem em movimento. Em outro momento, os cortes acompanham o beat da música, cujo título "Turbulenta" parece dialogar com a própria estrutura da obra.

Não é um tradicional documentário de cabeças falantes, nem mesmo uma justaposição de cenas aleatórias. Enquanto ouvimos um agudo do piano, por exemplo, não vemos o dedo na tecla. Aparece na imagem a respiração de Léa, a veia saltando no pescoço. O que se vê é o que se sente.

Lucas já tinha assinado, em parceria com Joaquim Castro, a direção e montagem de outro documentário subversivo, "Máquina do Desejo", sobre os 60 anos do Teatro Oficina. A diferença é que em "A Música Natureza de Léa Freire", feito dois anos depois, o material de arquivo não é predominante na obra. Se José Celso Martinez já é figura notória dos brasileiros, Léa Freire é uma ilustre desconhecida da maioria de nós. O diretor mesmo só foi conhecê-la profundamente em 2018, quando o projeto do filme começou a nascer.

Por que não conhecemos Léa Freire? A nossa ignorância sobre a protagonista do filme de Lucas Weglinski diz muito sobre o projeto de país em que vivemos nos últimos anos. Um Brasil que, historicamente, destaca o homem enquanto ser excepcional e relega à mulher o espaço de coadjuvante até na própria história.

Pense rápido na MPB, pense rápido na música de concerto. Quantas mulheres de destaque surgem na sua memória? A sequência do filme que mostra a participação de Léa, que ocupa esses dois espaços, nas aulas de uma renomada escola de música dos Estados Unidos é o retrato desse cenário inóspito na cultura brasileira. Enquanto consumimos os enlatados que de fora, quem é de fora consome a arte que produzimos aqui.

A reflexão que o filme traz sobre a artista, que rompe barreiras entre o erudito e o popular, se aplica ao próprio documentário em si. O ritmo é mais lento, os planos mais fechados, a iluminação é carregada nas sombras. Não é um filme para se ver no celular ou no computador.

"A Música Natureza de Léa Freire" foi feito como uma experiência de cinema e planejado para novas possibilidades de percepção da obra. Destaque para o desenho de som, que promove uma imersão nessa música natureza, como Léa Freire define o próprio trabalho. Uma música mais sensível, recusando o massacre sensorial da vida contemporânea.

Não espere encontrar no filme uma estrutura clássica de biografia, pelo contrário. A luz está apenas na música da protagonista. Fiquei instigado com as questões pessoais dela: maternidade, família, depressão, distanciamento social por causa da pandemia de Covid-19.

Tudo isso é citado, mas não e aprofundado. E não cabe a mim, como crítico, criticar as ausências da obra. Prefiro enaltecer aquilo que o diretor fez questão de costurar na colcha de retalhos de uma vida tão complexa como a de Léa. Uma mulher de vanguarda, proeminente em cenários masculinos. Uma compositora brasileira em essência, e paradoxalmente universal. Uma pessoa que passou a vida toda reescrevendo as possibilidades de futuro.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas