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Inácio Araujo

Bia Lessa contempla em filme o mistério de 'Grande Sertão: Veredas'

Longa rompe inércia das relações textos-imagem, pureza e impureza, para ser complemento necessário às palavras

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Nonada. Essa palavra abrindo o "Grande Sertão: Veredas" já anuncia o abismo. O que ela é? O primeiro e óbvio sentido é constituído por "no" mais "nada" —estar no nada. Mas poderia ser "non"/"nada". Non, a palavra que nega, como diz Manuel de Oliveira, seja em que direção for. "Non" mais "nada" —a negação completa, talvez. Mas para o dicionário, do qual é impossível se despregar ao ler Guimarães Rosa, nonada tem o sentido de bagatela, coisa de pouco valor.

Basta a primeira palavra. As que se seguem não serão muito diferentes. Interpretá-lo, traduzi-lo em outro meio, me parece um feito maravilhoso. A questão que assombra qualquer um que tente entrar nesse sertão é —onde fica o grande sertão?

Cena do filme 'O Diabo na Rua no Meio do Redemunho', dirigido por Bia Lessa - Divulgação

Ele está nesse conjunto sonoro estranho ao homem da cidade, que no entanto o arrebata. Guel Arraes, me parece, se enganou ao atribuir-lhe um lugar físico outro que não o próprio sertão. Transplantado às favelas cariocas virou uma espécie de policial tenebroso, mediado por algumas frases roseanas que espoucavam no meio da confusão, sem função maior senão significar que, afinal, lá estava Guimarães Rosa.

Bia Lessa começou, como Arraes, por questionar onde fica o sertão. O seu sertão é interior, não geográfico, e se exterioriza na língua. Esse princípio, me parece, já serviu à adaptação teatral que ela fez e que não conheci.

Depois ela fez o filme, "O Diabo na Rua no Meio do Redemunho", no que parte de um espetáculo teatral. Filme que deve tanto ao teatro quanto à literatura. Sua maior ousadia é que não nega sua origem e se disfarça em filme de cinema puro. É impuro —é mistura das outras artes. Talvez venha daí o encanto deste filme, o de nunca renegar a teatralidade de sua origem.

Não há cenário. Os cenários ali são o balé constante dessas figuras, figuração e figurinos, traços que passam, se movimentam e se transformam conforme exijam os acontecimentos que as palavras trazem ou escondem —ao mesmo tempo que os conduzem, assim como a luz sempre noturna mostra e esconde o centro desses acontecimentos, que é o amor de Riobaldo por Diadorim.

Amor de um jagunço por outro, porque a identidade final de Diadorim não importa, e sim o fato de que Riobaldo vive sua atração pelo amigo.

No turbilhão de palavras, entre combates épicos, emerge esse amor insuportável, que Riobaldo não pode negar nem afirmar, uma terceira margem, amor vivido por Diadorim-homem, abismo e redemunho existencial, amor não dito.

O filme de Bia Lessa não se afirma ao se distanciar do romance, mas, ao contrário, ao assumi-lo inteiramente, ao mergulhar nesse amor esquivo, ao restituir a dimensão puramente mental de tantos e tantos acontecimentos.

É um filme que rompe a inércia das relações textos-imagem, pureza e impureza, para ser como que o complemento necessário, faltante —as imagens que se escondem nas palavras assim como o amor de Riobaldo vive nas frestas no não dito, do dizer impossível.

Sonoro e visual, "O Diabo na Rua no Meio do Redemunho" me pareceu um dos mais belos e ousados filmes dos últimos tempos sobre uma das mais belas e misteriosas histórias de amor da literatura brasileira.

O Diabo na Rua no Meio do Redemunho

Avaliação:
  • Quando: Em cartaz nos cinemas
  • Classificação: 16 anos
  • Elenco: Luiza Lemmertz, Luisa Arraes, Caio Blat
  • Produção: Brasil, 2023
  • Direção: Bia Lessa

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