Indígenas iniciam cerimônia do manto tupinambá no Rio com críticas aos três Poderes

Em coletiva de imprensa nesta segunda, caciques divulgaram manifesto contra a condução das pautas indigenistas no Brasil

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Rio de Janeiro

No primeiro dia de programação da cerimônia de recepção do manto tupinambá, lideranças indígenas reuniram nesta segunda a imprensa em uma entrevista coletiva no Circo Marcos Frota, no Rio de Janeiro, onde estão acampados, para dar detalhes dos rituais sagrados e comentar a condução das pautas indigenistas pelas autoridades do país.

A imagem mostra um grupo de homens indígenas em uma cerimônia. Eles estão vestidos com trajes tradicionais, incluindo penas e adornos feitos de materiais naturais. Alguns seguram instrumentos musicais, como chocalhos. O ambiente é uma tenda com um fundo azul e vermelho, sugerindo um evento cultural. Os homens têm tatuagens visíveis em seus corpos e expressões sérias.
Indígenas realizam ritual durante coletiva de imprensa sobre recepção do manto tupinambá. - Tomaz Silva/Agência Brasil

Na ocasião, a anciã Yakuy Tupinambá, 63, leu o manifesto redigido por indígenas de 23 comunidades da Bahia. A carta traz críticas aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em relação à falta de transparência do processo de repatriação e acesso ao manto, além de questões voltadas à demarcação de terras e a tese do marco temporal.

"Reiteramos nossa insatisfação com a postura colonizadora personificada pelo Estado brasileiro, através das autarquias representativas que mais uma vez dilaceram nossos direitos originários e, muito mais que isso, fere profundamente o que mais prezamos: a nossa crença e a nossa fé", diz trecho do manifesto.

Os indígenas lembraram, ainda, do acordo definido no grupo de trabalho pela repatriação. O manto deveria ter sido recebido com uma cerimônia ainda no aeroporto, mas a chegada da peça aconteceu de forma sigilosa, no início de junho, e só foi informada depois, o que gerou um conflito com a administração do Museu Nacional do Rio de Janeiro, que tem a tutela da peça.

Em nota, a administração do museu negou que haja conflito com os indígenas. Porém, no dia 19 de agosto, o Conselho Indígena do Povo Tupinambá de Olivença (Cito) publicou um vídeo em sua página no Instagram no qual mostra um desentendimento entre o diretor da instituição, Alexander Kellner, e os caciques, durante uma reunião na Bahia.

"É importante reforçar que, em momento algum, o diretor do museu, Alexander Kellner, classificou qualquer integrante do povo tupinambá como mentiroso. Ele apenas esclareceu que não é verdade que os indígenas tenham sido informados pela direção do Museu Nacional, sobre a chegada do Manto Tupinambá, via mensagem pelo aplicativo WhatsApp", diz a nota da instituição.

O manto tupinambá
O manto tupinambá - Roberto Fortuna/Museu Nacional da Dinamarca

"Nosso desejo, principalmente dos nossos anciãos, era que no desembarque do manto sagrado pudéssemos estar presentes para recebê-lo com os ritos honrosos merecidos, por se tratar de algo para nós de extrema importância espiritual e de identidade cultural", disse Yakuy nesta segunda.

Fora do Circo Marcos Frota, indígenas se prepararam com cânticos e pinturas para o primeiro dia de vigília que seguirá até quinta-feira (12), quando ocorrerá a cerimônia oficial do manto, com autoridades, entre elas a ministra do Povos Indígenas, Sônia Guajajara.

No domingo, a cacica Jamopoty Tupinambá, 62, teve contato pela primeira vez com o manto. Ela liderou o grupo de trabalho pela repatriação, posto herdado pela sua mãe Amotara (Nivalda Amaral de Jesus), considerada a maior liderança no território.

Em 2000, a matriarca chegou a ter acesso à peça na Mostra do Redescobrimento, que aconteceu no parque Ibirapuera, na capital paulista.

A imagem mostra uma mulher indígena com um colar de contas vermelhas e um adereço de penas e flores na cabeça. Ela tem traços faciais pintados e usa uma blusa colorida. O fundo é desfocado.
A cacica Jamopoty Tupinambá durante coletiva de imprensa no Rio de Janeiro - Tomaz Silva/Agência Brasil

Jampoty descreveu a emoção ao encontrar a peça, que foi levada à Europa ainda no século 17, e estava exposto no Museu da Dinamarca. A cacica ressaltou a importância do retorno do manto como forma, também, de reconhecer os direitos dos povos originários. Ela afirma que o povo tupinambá foi o primeiro de contato com os colonizadores do Brasil, que resultou em quase extinção étnica.

"A vida nossa não é fácil enquanto não demarca nosso território, a gente defende com a vida para nossos jovens e nossas crianças. Eu tive a felicidade de conhecer o manto sagrado do povo tupinambá, que o manto significa é muito importante para o povo que foi considerado extinto. E agora chega um manto de quase 400 anos. Isso é uma força para o nosso povo e força para todos os povos originários", disse a cacica.

Quase 200 indígenas de três etnias —tupinambá, pataxó-hã-hã-hãe e kariri— chegaram ao Rio no sábado, feriado de 7 de Setembro, após um dia de viagem em três ônibus, para celebrar a chegada do manto. Convidados a participar do cortejo "Parada 7", em alusão ao Dia da Independência do Brasil, eles percorreram as ruas em protesto por demarcação de terra.

Com faixas "demarcação já" e "o manto é nosso" na linha de frente da manifestação, o grupo marchou de Cinelândia, no centro da cidade, até a Praça Tiradentes. No fim da caminhada, lideranças indígenas discursaram para o público.

Manto tupinambá

O manto, uma peça de cerca de 1,20 metro de altura por 80 centímetros de largura, é considerado uma entidade sagrada pelos indígenas tupinambás. Ele teria sido levado à Europa por holandeses, por volta de 1644.

Confeccionado em sua maioria com penas de guarás, mas também com plumas de papagaios, araras-azuis e amarelas, a peça foi doada pelo Museu Nacional da Dinamarca, que detém desde 1689 outras quatro peças como essa.

Embora existam registrados 11 mantos espalhados pelo mundo, esta é a primeira vez que a peça fará parte do acervo de um museu brasileiro.

De acordo com a pesquisadora Amy Buono, professora de história da arte da Universidade de Chapman, nos Estados Unidos, além da peça que agora está sob posse do Brasil, todas as demais estão na Europa, conforme a lista abaixo.

  • Copenhague, no Museu Nacional da Dinamarca, tem 4 mantos;

  • Florença (Itália), no Museu de História Natural de Florença, tem 2 mantos;

  • Basileia (Suíça), no Museu das Culturas, tem 1 manto;

  • Bruxelas (Bélgica), no Museu Real de Arte e História, tem 1 manto;

  • Paris (França), no Museu das Artes e Civilizações da África, Ásia, Oceania e Américas, tem 1 manto;

  • Milão (Itália), na Biblioteca Ambrosiana, tem 1 manto.

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