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'Black Rio! Black Power!' prepara o baile, mas se esquece da música

Documentário cria contranarrativa frente ao apagamento do movimento soul carioca sem se permitir vibrar com o groove

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Black Rio! Black Power!

Avaliação: Bom
  • Onde: Nos Cinemas
  • Classificação: Livre
  • Produção: Brasil, 2023
  • Direção: Emílio Domingos

As cenas que introduzem "Black Rio! Black Power!" compõem um indício das vontades e limites do documentário que estreia nesta quinta (5) nos cinemas.

Nelas, acompanhamos a instalação de um imenso paredão de som na quadra do Grêmio Social Esportivo Rocha Miranda, clube que, nos anos 1970, abrigou e irradiou a revolução da soul music na zona norte do Rio de Janeiro.

Cena do documentário 'Black Rio! Black Power!' - Divulgação

Nas décadas passadas, esse mesmo pavilhão fervia com o ritmo e a vibração dos corpos daqueles que encontravam, no espaço, um ambiente de orgulho, festa e afirmação. Entretanto, no longa de Emílio Domingos, tanto a quadra quanto o paredão ali construído se sedimentam em cenário, e pouco se deixam afetar pelas memórias dos que são ali mesmo entrevistados.

Não é que essas presenças e a contextualização que elas fazem de um momento histórico não tenham importância. Afinal, quando colocado junto aos trabalhos anteriores do cineasta —como "Chic Show", de 2023, "Favela É Moda", de 2019, e mesmo "A Batalha do Passinho", de 2012— "Black Rio! Black Power!" cumpre uma fundamental tarefa das lutas dos movimentos negros na contemporaneidade, e articula narrativas e materiais de arquivo de modo a criar referências para uma história cujos registros são escassos.

Esse mérito é bem ilustrado na diferença que é estabelecida entre uma reportagem da época, inserida na montagem do filme e apresentada aos entrevistados, e a narrativa que eles adotam para relatar suas próprias vivências no baile. O racismo à brasileira do material é logo desmontado, e outra concepção para um movimento discriminado —pelo Estado, pela mídia e mesmo por uma esquerda branca que se dizia progressista— pode chegar à grande tela.

Nesse ponto, é justa a coroação que o longa faz das figuras que, ao articularem o baile, também criaram um ponto de inflexão para o mito da democracia racial no país. Como o documentário apresenta, a música e a estética abriram caminhos para, naqueles anos de groove, criar uma conexão direta com os discursos americanos do black power e a luta anticolonial dos países africanos, a fim de fabricar, em solo brasileiro, uma ideia de negritude que também seja atravessada pela percepção de beleza.

Assim, o longa concede o devido valor ao gesto de rememorar as histórias de Dom Filó, um dos articuladores do movimento e também produtor executivo do filme, de Virgilane Dutra, cofundadora da Furacão 2000, do ativista Carlos Alberto Medeiros, do cantor Agenor Neto e de tantos outros que compartilham, em entrevistas, aquilo que construíram.

Também são significativas as fotografias de Januário Garcia e os arquivos audiovisuais que ajudam a dar corpo ao longa e a materializar as lembranças de seus personagens.

Contudo, Domingos assume um risco quando usa tais arquivos apenas como ilustração para o que está sendo narrado, estratégia que custa ao longa ritmo e vibração. Na contramão das camisetas molhadas de tanto dançar, da água de colônia usada para disfarçar o suor e das micropolíticas edificadas no roçar dos corpos na pista, a memória evocada pelo documentário soa congelada, pouco expressiva, limitada por um único tom de registro e montagem.

Por isso é sintomático que, ao final do filme, diante de um convite para que as pessoas entrevistadas refizessem os passos de dança que um dia estiveram na sola do pisante, alguns aparentam se sentir desconfortáveis a fazê-lo. O paredão está ali. Só faltou ligar o som.

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