Siga a folha

Descrição de chapéu
Samuel Pessôa

Alterar o teto de gastos para enfrentar o coronavírus traria mais incerteza

Crescimento do gasto obrigatório nos impede de, em momentos de crise, dispor de maior espaço para realizar uma política fiscal contracíclica

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

É muito difícil sabermos a extensão do impacto do surto de Covid-19. Segundo o 3º capítulo no volume "Economics in the Time of Covid-19", que veio a público há duas semanas, em condições não muito severas a crise atual retirará dois pontos percentuais de crescimento da economia brasileira.

Como a previsão do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia), da FGV, para 2020 é de crescimento de 2%, se o cenário do volume estiver correto, nosso crescimento em 2020 será nulo. A economia brasileira sofre um choque externo negativo. E o choque nos atinge num momento em que já temos ociosidade e desemprego elevados, além de vir logo após certa frustração de atividade na virada do ano.

A política econômica precisa estimular a demanda. O que fazer?

Há espaço para novas quedas da taxa básica de juros. Esse tema foi tratado por Nilson Teixeira em sua coluna no Valor Econômico de quarta-feira passada. Mas o assunto deste texto não é política monetária.

Há também espaço na política fiscal. A frustração da atividade produzirá redução da arrecadação. Como há uma meta de superávit primário, dado pela diferença entre a receita e a despesa não financeira, a queda de receita requer corte de gasto, em relação ao orçamento, para que a meta seja mantida.

O ideal, portanto, é que em 2020 o déficit primário seja maior do que o previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias, a fim de acomodar uma perda de receita que ocorrerá naturalmente em função da piora cíclica da economia, mantendo-se o gasto no nível orçado.

Neste momento, contudo, faz sentido fazer mais do que manter o gasto no nível orçado. Quando há catástrofes, como é o caso com a pandemia Covid-19, o instrumento é aumentar o gasto por meio de um crédito suplementar.

Penso em crédito suplementar para a saúde, obviamente, mas também para programas que tenham como objetivo auxiliar a manutenção do emprego dos setores mais duramente atingidos pela crise. Para estas e outras ações, não há necessidade de rever a emenda constitucional do teto dos gastos.

Tema que tem sido discutido intensamente seria aproveitarmos a crise do Covid-19 para flexibilizar a emenda constitucional que estabeleceu uma taxa máxima para o crescimento do gasto primário.

Sou totalmente contrário a qualquer flexibilização do teto dos gastos. O teto representa uma promessa de ajuste fiscal estrutural. Alterar essa promessa significa adicionar um nível muito elevado de incerteza. O risco-país iria se elevar. O custo de capital aumentaria, neutralizando um possível impacto expansionista da política fiscal.

Para que o teto do gasto deixe de ser uma promessa de solvência do setor público e esta se transforme em realidade, é necessário que perseveremos na agenda das reformas econômicas.

Em particular, a emenda constitucional emergencial, que estabelece gatilhos automáticos se o gasto público extrapolar alguns limites, é prioritária.

Tem circulado interpretação de que a emenda constitucional emergencial teria efeito contracionista.

Trata-se de uma grande confusão. A emenda emergencial tem a função de engendrar consistência das contas públicas ao longo do tempo. Ela trata, portanto, de impor limites à expansão automática do gasto obrigatório. Vale lembrar que é a expansão automática do gasto obrigatório que produz a situação de insolvência do setor público.

A emenda constitucional emergencial nada afirma, no entanto, com relação ao gasto discricionário. Se o momento cíclico assim requerer, sempre será possível reduzir o superávit primário para estimular a demanda agregada por meio da política fiscal, além de haver a possibilidade de crédito suplementar para catástrofes.

De fato, é o crescimento do gasto obrigatório persistentemente acima do aumento da arrecadação o que nos impede de, em momentos de crise, dispor de maior espaço para realizar uma política fiscal contracíclica.

Resumo da ópera: política fiscal contracíclica se faz com gasto discricionário; ajuste fiscal estrutural se faz cortando gasto obrigatório. Um não impede o outro.

Samuel Pessôa

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Officy (JBFO). É doutor em economia pela USP​

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas