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Tragédia no RS deve encarecer seguros em todo o país, diz setor

Especialistas estimam que sinistros no estado possam ultrapassar os R$ 7 bilhões

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São Paulo

A tragédia no Rio Grande do Sul já é um marco para as seguradoras brasileiras. A estimativa inicial do setor é de um impacto financeiro que pode extrapolar a pandemia. Além disso, as empresas não veem o episódio como uma exceção, e sim uma virada de chave quanto à percepção de um aumento nos desastres naturais no Brasil, em decorrência da mudança climática. A consequência, segundo especialistas, é o encarecimento de todas as classes de apólices em todo o país.

Cidade de Roca Sales, uma das mais afetadas pelas enchentes no Rio Grande do Sul - Nelson Almeida - 15.mai.24/AFP

"Por um lado, você tem uma pressão de mais pessoas precisarem ter seguros, mas, por outro, as seguradoras também têm de considerar o risco climático no prêmio [preço do seguro] para serem sustentáveis. Não tem mágica, tudo isso precisa ser equacionado para a seguradora não colocar a sua solvência, a sua existência, em risco", diz Dinarte Bonetti, sócio da PwC e especialista em resseguros.

De acordo com a Defesa Civil do Rio Grande do Sul, 166 pessoas morreram em decorrência das chuvas no estado até sábado (25). No total, 469 municípios foram afetados, e 581.638 moradores foram desalojados.

Ilan Kajan Golia, vice-presidente da corretora de seguros e consultora Alper, também espera um aumento disseminado nos preços das apólices. "Quando você tem eventos dessa magnitude nos Estados Unidos, no México, ou em qualquer região do mundo, eles são, de alguma forma, repassados a todos nós indiretamente. O mercado se autorregula de acordo com a sinistralidade", diz.

"Muitas vezes, não sabemos. Pensamos 'puxa, não bati o carro. Por que aumentou a taxa [da apólice]? Muito embora eu tenha um bônus e desconto'. E isso acontece porque a carteira da seguradora local ou internacional está afetada e ela vai reconduzir os preços", completa Kajan Golia.

Segundo o executivo, mais de 95% das carteiras de seguros no Brasil são resseguradas, ou seja, os seguros têm seus próprios seguros. Assim, a maior parte do risco fica concentrada nas empresas resseguradoras, como IRB(Re), Munich Re, Swiss Re, Hannover Re, de atuação global, que repassam o aumento de custo às seguradoras, que o distribuem por todo o portfólio —como auto, residencial, vida, patrimonial e operacional. Dessa forma, o aquecimento global tende a encarecer o custo das apólices como um todo.

Uma maneira de reduzir a concentração de risco do setor é via "cat bonds", títulos de dívida que concentram o custo de sinistro de determinadas apólices. Quem investe nesses papéis assume esse risco, e, se o seguro for acionado, o investidor toma prejuízo. Senão, fica com o lucro. No Brasil, um instrumento semelhante está prestes a estrear no mercado de capitais. O último passo é a autorização na CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que deve acontecer ainda este ano.

"A ideia é buscar no mercado de capitais o lastro para a reserva técnica das seguradoras, que pode ser voltado para um produto ligado a eventos climáticos extremos", diz Ronaldo Gallo, sócio de seguros e resseguros do Madrona Fialho Advogados.

Dados apontam que a ocorrência desses eventos no Brasil tem aumentado. De acordo com a CNseg, 70% das perdas decorrentes de desastres naturais no país na última década aconteceram somente entre 2020 e 2023, atingindo 93% dos municípios brasileiros.

"O Brasil não estava no mapa de riscos catastróficos. E, agora, ele passa a figurar nesse cenário em decorrência de eventos da natureza, com intensidade ainda menor [que países com ciclones e terremotos], mas com potencial ofensor a causar sinistros", afirma Kajan Golia.

Segundo a multinacional de análise de dados para previdência e saúde Aon, desastres naturais custaram US$ 380 bilhões para a economia mundial em 2023, mas apenas 30% estavam cobertos por seguros.

Pesquisa bianual da PwC, em parceria com o think tank britânico de Estudos para a Inovação Financeira (CSFI, na sigla em inglês), feita com com 589 líderes empresariais do setor de 39 países em 2023, aponta que as mudanças climáticas são o terceiro maior risco para as seguradoras, atrás de crimes cibernéticos e regulamentação.

Porém, considerando apenas as respostas de executivos brasileiros, o aquecimento global e suas consequências nem sequer aparece entre os maiores riscos citados.

"[A mudança climática] está na agenda das seguradoras e dos seus fornecedores, mas, do ponto de vista de negócio, elas ainda enxergam isso com relativamente pouco efeito. Agora, com esse evento no Rio Grande do Sul, pode mudar isso", afirma Bonetti, da PwC.

De acordo com a CNseg (Confederação Nacional das Seguradoras), a tragédia no estado gaúcho é o maior sinistro já enfrentado pelo setor no país em decorrência de um evento único e pode, até, superar os R$ 7,5 bilhões pagos em seguros de vida durante a pandemia. Por enquanto, a entidade estima que os sinistros já somem um impacto de R$ 1,673 bilhão.

Kajan Golia, da Alper, estima que o custo final deva ser de mais de R$ 7 bilhões.

Gallo, do Madrona Fialho Advogados, concorda. "O que já foi reivindicado é a ponta do iceberg."

Procuradas, as seguradoras dizem que ainda não é possível estimar qual será o impacto final das chuvas que atingem o estado desde o fim de abril, visto que a água ainda não baixou em muitos locais e a chuva persiste.

A Bradesco Seguros calcula um impacto de mais de R$ 500 milhões na agropecuária gaúcha, mas nem todo esse valor está segurado —em 2023, apenas 6% da produção agrícola nacional estava protegida, diz a CNseg.

Segundo Leonardo Freitas, diretor da Bradesco Seguros, a tragédia deve impulsionar a busca por apólices no setor, especialmente as especializadas e personalizáveis, estendendo a proteção para maquinário e infraestrutura, para além da colheita.

"Os dados de 2023 apontam para um aumento significativo no volume de itens segurados e na arrecadação de prêmios. Esperamos um crescimento de 24% neste ano na nossa carteira, na qual o segmento agrícola representa atualmente cerca de 65%", afirma Freitas.

Gustavo de Castro Freitas, diretor da Sicredi em Porto Alegre, conta que, além de muitas fazendas perderam todo o maquinário e todos os animais, muitos terrenos tiveram os seus nutrientes levados pela enchente ou, então, não devem se recuperar para o plantio de trigo, tipicamente feito nesta época.

"Houve um impacto maior, por exemplo, em suínos, aves e leite, por algum tipo de interrupção na alimentação via ração. É o caso de alguns associados nossos, que, além de perder a produção de frango que estava ali para uma engorda de 50 a 60 dias, também perdeu parte dos equipamentos nesse aviário, invadido pela água", diz Castro Freitas.

Com a perda da estrutura produtiva, a retomada da atividade é incerta e longa, dependendo da cultura.

"O frango é de um ciclo curto, você cria novos pintinhos de uma forma rápida, do ponto de vista do tempo de fecundação e nascimento. Por outro lado, na cadeia de suínos, leva um tempo maior se você perde uma matriz, que era quem produzia leitõezinhos", afirma Castro Alves.

A maioria, contudo, não consegue arcar com os altos custos de se proteger contra estragos de desastres climáticos, especialmente com o aumento das apólices à vista. Para mitigar esse problema, o Congresso discute os PLs 1.410/2022, 83/2022 e 629/2023, que visam estabelecer indenizações aos mais pobres em caso de calamidades causadas por chuvas ou secas.

O financiamento desses valores, que poderiam variar de R$ 2.000 a R$ 15 mil, segundo os projetos apresentados, viria da cobrança de uma alíquota de R$ 3 ao mês na conta de energia elétrica de todos os brasileiros.

Os maiores riscos para o setor de seguro, de acordo com seguradoras brasileiras consultadas pela PwC em 2023:

  1. Crime cibernético

  2. Tecnologia

  3. Macroeconomia

  4. Regulamentação

  5. Gestão de mudanças

  6. Inteligência artificial

  7. Taxas de juros

  8. Redução de custos

  9. Competição

  10. Capital humano

Os maiores riscos para o setor de seguro, de acordo com seguradoras de 39 países consultadas pela PwC em 2023:

  1. Crime cibernético

  2. Regulamentação

  3. Mudanças climáticas

  4. Tecnologia

  5. Capital humano

  6. Macroeconomia

  7. Inteligência artificial

  8. Taxas de juros

  9. Redução de custos

  10. Gestão de mudanças

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