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Ministro diz que Vale está acéfala desde que definiu saída de CEO e ameaça com sanções

Silveira afirma que situação dificulta acordo com BHP e Samarco para reparação de desastre ambiental em Mariana (MG)

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Marta Nogueira
Aracaju | Reuters

Desde que ficou decidida a saída do presidente da Vale, Eduardo Bartolomeo, em março deste ano, a companhia ficou acéfala e "sem alguém com autoridade" para tratar de assuntos que são relevantes ao interesse nacional, afirmou o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, à Reuters.

Na avaliação do ministro, a situação dificulta a conclusão de um acordo entre Vale, BHP e Samarco com autoridades federais e estaduais para a reparação e compensação pelo rompimento de barragem em Mariana, em Minas Gerais, que ocorreu em 2015. Silveira, que é mineiro, disse estar preocupado com a "falta de proatividade" das companhias.

"Me preocupa inclusive uma postura da Vale, que parece que só vai mudar, infelizmente, na hora que nós tivermos que aplicar medidas e sanções mais duras na empresa. E se necessário até avaliar a legislação brasileira nesse sentido, de ela mudar a postura arrogante dela com relação ao Brasil", afirmou Silveira em entrevista à Reuters na quarta-feira (24), durante visita ao Estado de Sergipe.

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira - 22.abr.24/Folhapress

A expectativa de todas as partes, inclusive do governo, é que um acerto seja concluído ainda neste ano. Havia expectativa de que o acordo pudesse ser fechado até o final do primeiro semestre, mas uma proposta de desembolso totalizando R$ 140 bilhões ficou aquém do pretendido pela autoridades.

"Não deveria ser assim, mas o fato de a Vale estar acéfala é evidente que está atrasando um acordo [por Mariana]", disse o ministro.

Segundo Silveira, a Vale "deixou de ser mineradora" e "passou a ser quase que exclusivamente vendedora da infraestrutura", não explorando ativos estratégicos no país.

Ele disse ainda que o governo estuda inclusive "medidas e sanções mais duras" contra a empresa, avaliando a legislação brasileira, e por meio de políticas públicas, sem entrar em detalhes.

Silveira comentou também que tem de "estar muito atento" para a postura da maior companhia de mineração do país.

Para ele, trata-se de uma mineradora "quase que monopolista, que deixou e deixa de explorar ativos estratégicos no país, que passou a comercializar esses ativos com investidores internacionais e distribui esses dividendos sem nenhum critério estratégico convergente com o interesse do país".

Uma fonte com conhecimento do assunto afirmou, na condição de anonimato, que há estudos sobre possível mudança nas regras sobre direitos minerários. Essa fonte não detalhou o que poderia ser alterado.

Com frequência, o ministro e o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) têm feito duras críticas contra a Vale e sua gestão, em momento em que a companhia, uma das maiores mineradoras do mundo e privatizada há cerca de 30 anos, trabalha no processo de sucessão de seu presidente.

O mandato do CEO vencia em maio deste ano, mas foi estendido até dezembro, após o conselho —responsável pela escolha da nova liderança— ter ficado dividido entre manter o presidente por mais um período ou abrir um processo para a escolha de uma nova liderança.

"Desde que anunciaram a saída do atual presidente, a gente sabe bem como isso acontece, a Vale ficou sem alguém com autoridade para tratar de assuntos que são extremamente relevantes ao interesse nacional", disse Silveira.

"Está passando inclusive do limite da razoabilidade a forma e a condução da direção da Vale com relação a esses assuntos que precisam ser resolvidos, e eu vou te afirmar que está muito próximo do limite da tolerância."

Procurada, a Vale afirmou que não tem comentários sobre as declarações do ministro. Disse ainda que segue "engajada" junto com autoridades para estabelecer um acordo sobre o desastre de Mariana "que garanta a reparação justa e integral às pessoas atingidas e ao meio ambiente".

Bartolomeo manterá seu cargo até o final de dezembro deste ano. A companhia definiu também que o CEO apoiará a transição para a nova liderança no início de 2025 e que atuará como advisor da companhia até 31 de dezembro do próximo ano.

Contra intervenção

O impasse no conselho sobre a sucessão da Vale ocorreu em meio a diversas notícias de que o governo estaria tentando emplacar o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega como CEO da mineradora. Silveira voltou a afirmar que "nunca houve uma ingerência do governo com relação à Vale".

"E eu afirmei peremptoriamente e desafiei qualquer conselheiro a dizer que nós intervirmos falando sobre o ministro [Guido Mantega]", disse Silveira.

Na semana passada, o colunistado jornal O Globo Lauro Jardim publicou que o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, foi sondado por conselheiros da Vale para entrar na corrida pela presidência.

Questionado sobre a notícia, Silveira disse entender "que seria um grande erro, porque o secretário-executivo é governo".

"Eu sou daqueles que entendem que na vida pública não basta ser honesto, tem que parecer ser honesto", afirmou. "Não basta a gente não querer intervir. A gente tem que parecer que não está intervindo."

O conselho da Vale tem competência exclusiva para decidir sobre a escolha do presidente da companhia. No início do mês, a mineradora anunciou a segunda renúncia de um membro independente de seu conselho de administração em três meses.

No primeiro caso, ao deixar a empresa em março, o então membro independente José Luciano Penido enviou uma carta ao presidente do colegiado, apontando que o processo de sucessão estava sendo conduzido de maneira manipulada, com influência política, segundo o documento visto pela Reuters à época.

Penido defendia a renovação do mandato de Bartolomeo, segundo a Reuters publicou à época.

Silveira, porém, defendeu que "o que ele (Penido) diz não tem nada a ver com o governo". "Todo mundo teve essa impressão. O Penido fez uma denúncia com relação ao conselho da Vale", afirmou.

O ministro disse ainda que quer que a escolha do novo presidente "aconteça rápido" e de forma técnica para ter "alguém que possa compreender melhor o papel da Vale".

Nos últimos anos, a Vale passou a ter um controle pulverizado, com novas normas para tentar blindar sua governança corporativa de interferências políticas. Mas tem ainda como importante acionista a Previ, o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, que é uma instituição de economia mista controlada pelo Estado brasileiro.

Petrobras não tem necessidade de elevar investimentos agora, diz ministro

Silveira afirmou que não há "necessidade nenhuma" de mudança no plano estratégico da Petrobras no curto prazo, o que implica manter a projeção de investimentos, de forma a garantir que a companhia permaneça atrativa para investidores.

Ao tomar posse em maio, a presidente da Petrobras, Magda Chambriard, afirmou ter se comprometido com a celeridade de projetos e tem mantido todos os planos determinados pelo atual planejamento para o período 2024-2028, que projeta mais de US$ 100 bilhões em investimentos.

Segundo Silveira, o governo quer celeridade com segurança técnica e transparência, e conciliando com o papel social da companhia.

"O que nós queremos é primeiro observar a rentabilidade dela. Ela [a Petrobras] precisa continuar sendo atrativa", disse Silveira à Reuters, em entrevista durante um trajeto para visitar as obras de conexão da malha de gasodutos TAG com o terminal de regaseificação da Eneva, em Sergipe.

"Qualquer decisão no sentido de aumento de investimentos deve passar primeiro pelo crivo da rentabilidade dela, para que a gente sinalize claro para os investidores que ela é uma empresa atrativa."

Questionado sobre dificuldades enfrentadas pela Petrobras para contratar duas plataformas previstas para entrar em operação em águas profundas de Sergipe em 2028, para produzir em importantes descobertas de gás, Silveira afirmou que Chambriard "está muito confiante de que conseguirá cumprir o prazo".

A primeira unidade tem capacidade de produzir 120 mil barris de petróleo por dia e 10 milhões de metros cúbicos de gás natural por dia. Já a segunda unidade terá capacidade de processamento diário de 120 mil barris de petróleo e 12 milhões de metros cúbicos de gás.

O projeto também contará com um gasoduto de escoamento com 134 km de extensão, sendo 111 km no mar e 23 km em terra.

A companhia deverá relançar a licitação para as plataformas, após mais uma tentativa de contratar não ter dado certo. "Ela acha que com o remodelamento do processo que teve insucesso no passado... ela está muito confiante que consegue cumprir o prazo em 2028", afirmou Silveira.

Questionado se as unidades poderiam exigir maior conteúdo local, para atender uma demanda do governo para recuperar a indústria naval, Silveira afirmou que as exigências de contratação no país são uma necessidade para desenvolver a indústria, mas ponderou que não podem ser um empecilho aos investimentos.

Chambriard assumiu a liderança da empresa em maio, após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter decidido trocar o CEO anterior Jean Paul Prates, que foi alvo de muitas críticas públicas feitas por Silveira, que demandava maior celeridade para a realização de investimentos.

Silveira afirmou que o governo tem a "lucidez de que a governança da Petrobras deve ser respeitada a todo custo".

Entretanto, pontuou que o governo tem seis membros indicados no conselho da petroleira e que eles "devem ser, sim, muito atuantes—um dos seis é presidente da Petrobras— nas decisões dos planos estratégicos da empresa, para onde a empresa vai".

Leilão de capacidade precisa ser em 2024; todas as fontes são consideradas, diz ministro

O leilão de reserva de capacidade para o sistema elétrico precisa acontecer neste ano, para que o Brasil não corra o risco de ter que passar novamente, nos próximos anos, pelo "problema" da contratação emergencial, e todas as fontes de energia permanecem consideradas para o certame, disse Silveira.

A licitação estava originalmente prevista para ocorrer em agosto, mas o ministério não publicou até agora as regras finais e um cronograma atualizado.

"Eu confesso que está marcado para segunda-feira minha primeira reunião sobre leilão de capacidade", afirmou Silveira na véspera à Reuters, durante uma visita às obras de conexão da malha de dutos da TAG ao terminal de armazenamento e regaseificação da Eneva, em Sergipe.

Para a reunião, na qual serão também discutidas contribuições recebidas a partir da consulta pública para o leilão, serão chamados técnicos, secretarias de governo, o comitê de monitoramento do setor elétrico, representantes da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), "para começar a desenhar quais as fontes nós admitiremos nos leilões".

Questionado se baterias ainda estavam consideradas, o ministro confirmou e completou: "óleo [também], hoje está tudo considerado, porque a primeira reunião que o ministro vai liderar é segunda-feira".

Segundo o ministro, o leilão precisa ocorrer neste ano.

"Não tem como não fazer neste ano. Seria muito arriscado não fazer neste ano, para a gente não tenha risco de, até 2030, voltar a ter a necessidade de passar pelo problema da contratação emergencial, que foi tão grave, feita pelo governo anterior", afirmou.

A discussão sobre a inclusão de fontes como projetos de baterias e sistemas de armazenamento de energia, além das fontes mais tradicionais como hidrelétricas e térmicas, é vista com certa resistência pelo mercado, por não haver regulamentação para sua aplicação no Brasil.

Para o diretor de Marketing, Comercialização e Novos Negócios da Eneva, Marcelo Cruz Lopes, a demora para marcar o leilão pode ter ver com a ideia de incluir as novas fontes.

A Eneva, maior geradora de energia térmica privada do Brasil, tem forte interesse em participar do leilão, inclusive com um projeto que visa quase duplicar a capacidade de sua térmica Celse, em Sergipe, para 2,8 GW, ante o atual 1,6 GW, com aportes que podem chegar a aproximadamente R$ 4 bilhões.

"Acho que a grande razão de demorar é querer colocar outras fontes que não têm um arcabouço regulatório montado", disse Lopes, que também está em Sergipe.

"Na nossa visão, talvez o mais seguro e adequado para o sistema seria fazer logo um leilão para o produto termelétrico, que já tem regra e já foi bem discutido e já teve até o leilão de 2021, e com mais tempo se avalia a adequabilidade de incluir bateria, hidrelétrica e faz no outro momento", afirmou Lopes.

No mês passado, o presidente da EPE, Thiago Barral, chegou a afirmar que projetos de baterias e sistemas de armazenamento de energia tendiam a não ser habilitados ainda para o próximo leilão de reserva de capacidade.

Barral também pontuou que ainda não foram feitos estudos mais aprofundados sobre como a inclusão das baterias na matriz brasileira poderia impactar tarifas e, consequentemente, a conta dos consumidores.

Na consulta pública sobre o certame, lançada em março, o governo propôs habilitar na disputa apenas empreendimentos termelétricos e hidrelétricos.

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