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Entenda como inibidores de metano podem reduzir as emissões da pecuária

Gás produzido pela digestão das vacas é cerca de 28 vezes mais potente em reter calor do que o dióxido de carbono

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Susannah Savage
Financial Times

O dióxido de carbono é o maior responsável para a mudança climática induzida pelo homem, mas o metano é o segundo mais significativo, de acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU.

Embora dure menos tempo na atmosfera do que o dióxido de carbono, o metano é cerca de 28 vezes mais potente em reter calor. Reduzir as emissões de metano pode ser uma das maneiras mais rápidas e eficazes de limitar os gases de efeito estufa a curto prazo.

Cerca de 40% das emissões anuais de metano do mundo vêm da agricultura, a maior parte das quais é proveniente da pecuária.

As vacas são de longe as maiores culpadas, emitindo o gás principalmente por meio de seus arrotos —e não flatulências, como comumente se pensa.

Criação de gado em San Antonio de Areco, na Argentina - Tomas Cuesta - 7.jun.2024/Reuters

Administrar inibidores de metano para as vacas pode ajudar a limpar os arrotos bovinos e, assim, reduzir as emissões —sem a necessidade de fazer cortes drásticos na produção de gado e no consumo de carne.

As vacas e outros ruminantes produzem metano durante a digestão, em um processo conhecido como fermentação entérica. Os inibidores, que interrompem a produção de metano no intestino, estão se mostrando uma tecnologia promissora para lidar com o impacto climático da pecuária.

COMO FUNCIONA?

Animais ruminantes, como bovinos e ovinos, têm um pré-estômago ou rúmen, no qual trilhões de micróbios fermentam o alimento dos animais em moléculas que podem ser absorvidas como fonte de energia e nutrientes.

Um grupo específico desses micróbios, conhecidos como metanógenos, produz metano, usando hidrogênio e dióxido de carbono, em um processo que torna a digestão mais eficiente. Mas esse metano não é absorvido. Em vez disso, os animais o arrotam para a atmosfera. Os inibidores funcionam interrompendo o processo de produção de metano, ou metanogênese.

Esses inibidores podem vir em várias formas, como aditivos alimentares ou vacinas. Aditivos alimentares, incluindo 3-NOP (3-nitrooxipropanol) e algas vermelhas, são misturados na dieta da vaca e interferem nas enzimas que facilitam a produção de metano.

As vacinas, ainda em grande parte em desenvolvimento, são projetadas para estimular o sistema imunológico da vaca para reduzir a população de micróbios metanogênicos no estômago.

QUAIS SÃO OS PRÓS E CONTRAS?

Reduzir a quantidade de metano que as vacas arrotam para a atmosfera tem o potencial de reduzir significativamente as emissões do gás, mitigando assim a mudança climática induzida pelo homem.

Alguns estudos também sugerem que os inibidores de metano também podem melhorar a eficiência alimentar, o que significa que as vacas convertem o alimento em massa corporal de forma mais eficaz.

Talvez o maior apelo dos inibidores de metano seja que eles reduzem as emissões evitando grandes perturbações para a indústria da carne e para os consumidores de carne. Mas essa conveniência é compensada por uma série de outros problemas.

Mesmo os inibidores mais promissores —algas vermelhas e 3-NOP, comercializados como Bovaer— produzem resultados variáveis.

Estudos que examinam a Asparagopsis, um tipo específico de alga, concluíram que ela pode reduzir as emissões em até 99%. Mas, em um estudo realizado pela Meat and Livestock Australia em vacas wagyu, as emissões foram reduzidas em apenas 28%.

O suplemento alimentar sintético 3-NOP reduz de forma semelhante a quantidade de metano produzido em cerca de 30%. A raça da vaca e o restante de sua dieta determinarão a eficácia dos inibidores.

Ambas as formas de inibidores também apresentam problemas regulatórios. O composto inibidor de metano na Asparagopsis, chamado bromoform, é cancerígeno para animais e provavelmente para os humanos. Estudos sugerem que o 3-NOP também pode ser carcinogênico.

Os testes atuais não mostram traços significativos na carne ou no leite produzidos por vacas que recebem os suplementos.

Mas, para que atendam aos padrões regulatórios, "é necessário testes superextensivos... você precisa de testes muito mais longos do que os que temos agora", diz Mario Herrero, professor de sistemas alimentares sustentáveis e mudanças globais na Universidade Cornell, e autor principal do relatório especial do IPCC sobre mudanças climáticas, segurança alimentar e terra.

Cultivar algas para produzir aditivos para ração também é caro—um custo que acabará recaindo sobre os agricultores, de acordo com Herrero. Produzido em laboratório, o 3-NOP é mais simples de produzir, diz ele —mas ainda é caro, e os testes sugerem que ele se torna menos eficaz com o tempo.

"O rúmen se adapta", explica Herrero. "Se você alimentá-lo com algo ruim que o impede de funcionar da maneira que você deseja, ele começa a se adaptar com o tempo."

Isso salvará o planeta? Dado que a pecuária representa 32% das emissões de metano induzidas pelo homem, de acordo com a ONU, esses inibidores podem fazer uma diferença significativa. No entanto, eles não são uma solução milagrosa. Outras mudanças são necessárias, diz Herrero.

Por exemplo, a pecuária em países mais pobres está atualmente muito pouco produtiva. Com a demanda por proteína animal crescendo à medida que as populações aumentam e os rendimentos aumentam, isso precisa mudar para tornar o sistema alimentar global mais sustentável, diz Herrero. Produzir seis litros de leite de uma vaca em vez de dois ajudaria a reduzir as emissões.

JÁ ESTÁ DISPONÍVEL?

O suplemento 3-NOP tem aprovação para uso comercial no Brasil, Chile, Austrália, Reino Unido e UE, e já é utilizado por produtores de laticínios como Bel Group, Valio e Arla Foods. No entanto, muitas soluções potenciais, especialmente vacinas, ainda estão na fase de pesquisa e desenvolvimento.

QUEM GANHA E QUEM PERDE?

À medida que novas regulações obrigam empresas agrícolas e alimentícias a pagar pelas emissões indiretas de "Escopo 3" em suas cadeias de suprimentos, produtos como inibidores de metano se tornarão ferramentas cada vez mais essenciais.

Isso poderia ser lucrativo para as empresas de biotecnologia e agrícolas que desenvolverem as soluções mais eficazes e comercialmente viáveis.

Os consumidores de carne também podem conseguir evitar a pressão para mudar suas dietas se os inibidores de metano se mostrarem eficazes —apesar do aumento da fiscalização sobre a indústria pecuária por seu impacto ambiental e dos apelos por menos consumo de carne.

No entanto, os fornecedores tradicionais de ração para animais que não se adaptarem à nova demanda por inibidores de metano podem perder participação de mercado.

Mesmo em países ricos, os pequenos agricultores podem ter dificuldade para arcar com os altos custos associados às novas tecnologias. Em outras partes do mundo, os agricultores simplesmente não terão acesso a elas.

QUEM ESTÁ INVESTINDO NISSO?

Universidades e centros de pesquisa estão na vanguarda do estudo e desenvolvimento de novas tecnologias inibidoras de metano, enquanto os governos estão financiando pesquisas e fornecendo incentivos para práticas agrícolas sustentáveis.

Mas o grande investimento agora, e no futuro, virá de empresas de biotecnologia e agrícolas como DSM e Cargill, que têm mais a ganhar com a redução das emissões da pecuária sem reduzir a produção de carne.

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