Processo de sucessão na Vale teve 'nefasta influência política', diz conselheiro em carta de renúncia

José Luciano Penido votou contra formato escolhido; empresa diz que conselho atua em conformidade com estatuto

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São Paulo e Rio de Janeiro

O processo de sucessão na mineradora Vale foi afetado por manipulação, conflitos de interesse e agendas pessoais de seus participantes, afirmou José Luciano Duarte Penido em sua carta de renúncia ao conselho de administração da empresa. Segundo ele, há no debate "nefasta influência política".

Dos 13 conselheiros, Penido e Paulo Hartung votaram contra a solução para a sucessão de Eduardo Bartolomeo na presidência da companhia, em um processo que ganhou contornos políticos após pressão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para emplacar o ex-ministro Guido Mantega.

"No conselho se formou uma maioria cimentada por interesses específicos de alguns acionistas lá representados, por alguns com agendas bastante pessoais e por outros com evidentes conflitos de interesse", diz a carta de Penido, obtida pela Folha.

José Luciano Duarte Penido, que renunciou ao posto do conselho de administração da Vale, em foto de 2016 - Marcio Schimming

Ele não citou nomes, mas a proposta pela substituição de Bartolomeo tinha o apoio da Previ, o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil. Em outra frente, a Cosan tentou emplacar seu ex-presidente Luiz Henrique Guimarães.

Penido reclamou de "frequentes, detalhados e tendenciosos vazamentos à imprensa, em claro descompromisso com a confidencialidade".

"Não acredito mais na honestidade de propósitos de acionistas relevantes da empresa no objetivo de elevar a governança corporativa da Vale a padrão internacional de uma corporation [empresa com controle disperso]", escreveu.

Em nota, a companhia afirmou que "o conselho de administração seguirá desempenhando as ações previstas nos processos de governança da Vale e executando sua missão de forma diligente".

Além de Previ e Cosan, a Vale tem como acionistas relevantes o Bradesco e a japonesa Mitsui, que também têm assentos no conselho.

Grandes fundos globais de investimento como Capital Group e BlackRock também têm participações relevantes, mas sem representantes no colegiado.

Penido estava no conselho da Vale desde 2019. Foi reeleito em 2023, com mandato até 2025. Sua renúncia foi publicada em primeira mão pela agência Reuters.

Ao tomar a decisão, ele abre mão de um salário de R$ 1,4 milhão por ano, que é quanto a Vale propõe pagar a cada conselheiro em 2024.

"Apesar de respeitar as decisões colegiadas, a meu ver o atual processo de sucessão do CEO da Vale tem sido conduzido de forma manipulada, não atende aos melhores interesses da empresa e sofre evidente e nefasta influência política", afirmou o agora ex-conselheiro.

"Neste contexto, minha atuação como conselheiro independente se torna totalmente ineficaz, desagradável e frustrante", concluiu.

As declarações repercutiram mal entre os demais conselheiros da companhia, que negociaram a solução para contornar a divisão do conselho de administração sobre a sucessão de Bartolomeo.

Na primeira reunião sobre o tema, em fevereiro, seis membros votaram a favor da recondução do presidente, seis votaram a favor da abertura de um processo de sucessão e um se absteve.

Na sexta-feira (8), a solução alternativa, que mantém Bartolomeo no cargo até o final deste ano, foi aprovada por 11 votos a 2.

A reunião durou cerca de 13 horas até que se chegasse ao resultado final, ressaltou um conselheiro ouvido pela Folha. Assim, o ataque ao processo feito por Penido foi recebida com surpresa, principalmente se tratando de um executivo com larga experiência em conselhos de administração.

O estatuto da Vale prevê que, em caso de vacância de um de seus membros, o próprio conselho pode escolher um substituto até que a próxima assembleia de acionistas, que está agendada para o fim de abril, eleja um nome definitivo.

Como Penido era um dos sete conselheiros independentes exigidos pelo estatuto da companhia, seu substituto deve ter o mesmo perfil, sem ligação com acionistas relevantes da mineradora.

Em nota sobre a carta de Penido, a empresa afirmou que "o conselho de administração da Vale esclarece, no que tange ao processo de definição do presidente da companhia, que sua atuação está rigorosamente em conformidade com o estatuto social da Vale, o regimento interno do órgão e políticas corporativas".

A disputa pelo comando da Vale envolve um dos cargos executivos mais bem remunerados do país. Segundo levantamento feito pelo especialista em governança corporativa Renato Chaves com base em números entregues à bolsa, Bartolomeo recebeu R$ 59,9 milhões em 2022.

Foi o maior salário entre as 31 empresas brasileiras com faturamento superior a R$ 30 bilhões naquele ano, superando os R$ 59,2 milhões pagos pelo Itaú a seu presidente.


Leia a íntegra da carta:

Prezado Presidente

Encaminho-lhe minha renúncia ao mandato de membro independente do Conselho de Administração da VALE SA, para o qual fui eleito na Assembleia Geral de Acionistas da VALE, com mandato de Maio/2023 a Abril/2025.

Apesar de respeitar decisões colegiadas, em minha opinião o atual processo sucessório do CEO da Vale vem sendo conduzido de forma manipulada, não atende ao melhor interesse da empresa, e sofre evidente e nefasta influência política.

No conselho se formou uma maioria cimentada por interesses específicos de alguns acionistas lá representados, por alguns com agendas bastante pessoais e por outros com evidentes conflitos de interesse. O processo tem sido operado por frequentes, detalhados e tendenciosos vazamentos à imprensa, em claro compromisso com a confidencialidade.

Não acredito mais na honestidade de propósitos de acionistas relevantes da empresa no objetivo de elevar a governança corporativa da Vale a padrão internacional de uma Corporation.

Neste contexto, minha atuação como Conselheiro Independente se torna totalmente ineficaz, desagradável e frustrante.

Por isto apresento minha renúncia.

Leia a íntegra da nota da Vale:

Em atenção às notícias de imprensa que reproduzem o conteúdo da carta de renúncia assinada pelo Sr. José Luciano Duarte Penido, o Conselho de Administração da Vale esclarece, no que tange ao processo de definição do Presidente da Companhia, que sua atuação está rigorosamente em conformidade com o Estatuto Social da Vale, o Regimento Interno do órgão e políticas corporativas.

O Conselho de Administração seguirá desempenhando as ações previstas nos processos de governança da Vale e executando sua missão de forma diligente.

A Vale manterá o mercado atualizado sobre o tema conforme necessário.

Com Marta Nogueira, da Reuters

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