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Por que é tão difícil acreditar em coincidências como as mortes do bilionário no iate e de seu colega atropelado

Mortes sem relação e em um intervalo curto despertaram teorias da conspiração

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Jemima Kelly

Colunista do Financial Times

Financial Times

Se um roteirista criasse uma história em que um magnata da tecnologia se afoga quando seu iate de luxo é atingido por uma tempestade inesperada apenas dois dias após seu corréu em um julgamento de fraude de bilhões de dólares —do qual ambos foram recentemente absolvido— morrer atropelado por um carro em outra série de circunstâncias aparentemente não suspeitas, ele poderia muito bem ser informado de que isso seria pouco plausível para o público acreditar.

No entanto, essa foi a trágica série de eventos da vida real na última semana. O corpo do CEO da empresa de software Autonomy, Mike Lynch, foi recuperado na quinta-feira (22), junto com outros quatro que estavam a bordo do Bayesian quando ele afundou na costa da Sicília nas primeiras horas de segunda-feira. A tragédia ainda matou mais duas pessoas, incluindo a filha de 18 anos de Lynch, encontrada na sexta (23).

Já o ex-colega Stephen Chamberlain morreu após ser atropelado por um carro durante uma corrida no sábado (17).

Mike Lynch morreu em naufrágio do superiate de luxo Bayesian, na Itália - Reuters

Não demorou muito para que as teorias da conspiração começassem. A personalidade pró-Rússia Chay Bowes postou na rede social X (antigo Twitter) um clipe de si mesmo falando no canal estatal russo RT, no qual ele apontou a baixa probabilidade de ser absolvido em um julgamento criminal federal nos EUA —cerca de 0,4%, de acordo com o (centro de pesquisas) Pew.

"Como dois dos homens estatisticamente mais sortudos vivos poderiam ambos encontrar fins trágicos em um intervalo pequeno de dias e das formas mais improváveis?" perguntou Bowes.

As circunstâncias aparentemente aleatórias, improváveis e sem relação das mortes de Lynch e Chamberlain são de fato bizarras, embora a tese de que eles possam ser "estatisticamente sortudos" seja talvez ainda mais estranha. Mas por que é tão difícil para nós entender a ideia de que algumas coisas são realmente apenas coincidências?

Além disso, o que queremos dizer com essas teses? Gosto da definição dada pelos matemáticos Persi Diaconis e Frederick Mosteller no artigo "Methods for Studying Coincidences" (Métodos para Estudar Coincidências, em tradução livre), de 1989: "Uma ocorrência surpreendente de eventos, percebida como significativamente relacionada, sem conexão causal aparente."

Que devemos ficar surpresos quando coincidências acontecem é compreensível, até razoável. Afinal, cada coincidência que ocorre é, por sua própria natureza, altamente improvável. Mas que algumas delas ocorram não é apenas altamente provável; é inevitável.

Até podemos gostar de imaginar que todos temos controle sobre nossas vidas e o que acontece ao nosso redor, mas na realidade vivemos em um mundo complexo, bagunçado e muitas vezes inexplicável, no qual o acaso desempenha um papel enorme.

"Tudo o que acontece é incrivelmente improvável, e a coisa mais improvável de todas é nascer", diz David Spiegelhalter, professor emérito de estatística da Universidade de Cambridge.

"A sequência de ocorrências que levou à sua existência é tão bizarramente implausível —qualquer pequena mudança e você não seria você", afima Spiegelhalter. "Com as incontáveis maneiras pelas quais os cromossomos de seus pais podem se combinar, se você fosse concebido uma hora depois, poderia ser uma pessoa muito diferente. Cada um de nós é produto de uma sequência única de eventos que não se repetem."

Como sabemos pela definição de Diaconis e Mosteller, no entanto, o que faz uma coincidência é algo que é "significativamente relacionado". Então, enquanto nossa própria existência pode ser muito mais improvável do que as mortes próximas de Lynch e Chamberlain, não nos consideramos coincidências ambulantes.

Mas quando notamos um conjunto de circunstâncias que parecem altamente improváveis e relacionadas de alguma forma que consideramos significativa, nossa tendência é procurar uma causa. Quando os mesmos números foram sorteados duas semanas seguidas na loteria nacional da Bulgária em 2009, as autoridades ordenaram uma investigação, suspeitando de manipulação, mas não encontraram nada.

Um matemático calculou as chances disso acontecer como sendo uma em quatro milhões —altamente improvável, mas em algum momento, tais coincidências inevitavelmente ocorrerão.

De fato, as chances de qualquer pessoa ganhar na loteria são muito baixas. Para o vencedor, é claro, o fato de ter escolhido os números certos é uma grande coincidência; para todos os outros, o fato de uma pessoa aleatória ter ganhado a loteria esta semana é totalmente irrelevante.

Ocasionalmente, é claro, eventos aparentemente não relacionados podem nos levar a reconsiderar o que antes considerávamos uma "coincidência".

O fato de a Covid-19 ter começado em um lugar onde há um laboratório que realiza pesquisas sobre coronavírus foi apenas uma coincidência, ou isso sugere que o vírus não veio de um mercado úmido, como amplamente relatado? Talvez nunca saibamos. Mas coincidências fazem e devem nos levar a fazer perguntas sobre as circunstâncias que as produziram. Às vezes, porém, tudo o que encontraremos é que a verdade pode ser mais estranha que a ficção.

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