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Descrição de chapéu MPME

Conheça empresários que resolveram abrir negócios em lugares bucólicos

Apelo turístico das cidades e retaguarda financeira são fatores de sucesso; desafios incluem falta de mão de obra

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São Paulo

Com um restaurante em construção no sul de Minas Gerais, Salete Pezzo foi a São Paulo por alguns dias em busca de mais experiência para seu novo negócio. Aos 71 anos, ela trabalhou como estagiária em um endereço de massas frescas e voltou cheia de ideias a Córrego do Bom Jesus (MG), onde inaugurou o Serrapasta em maio deste ano.

Tudo começou com um desejo de mudar de vida, assim como acontece com muitos empresários que decidem sair de grandes centros e empreender em municípios menores e menos agitados.

"As pessoas fazem esse movimento por diferentes motivos", diz Luiz Veneziani Pasin, professor de empreendedorismo e inovação na Universidade Federal de Itajubá (Unifei). "Duas coisas costumam acontecer: ou elas criam uma nova oportunidade de negócio ou adaptam o negócio que já têm ao perfil de quem frequenta a cidade turística."

A paulistana Salete Pezzo, 72, fundou o restaurante Serrapasta em Córrego do Bom Jesus (MG) após mudar de cidade em busca de mais qualidade de vida - Folhapress

Depois de anos dando aulas de inglês, o desejo de Salete era ter um pedaço de terra na Serra da Mantiqueira onde pudesse oferecer a seus netos memórias mais próximas da natureza. O restaurante foi uma consequência disso.

A ideia surgiu a partir do sucesso das empanadas que Salete vendeu a uma cervejaria. Além do aperitivo argentino (R$ 12), massas e pizzas (R$ 39 a R$ 54) são os pratos oferecidos no cardápio autoral da casa, que tem quatro funcionários.

A chef aproveita que não tem concorrentes no ramo gastronômico de Córrego do Bom Jesus para praticar preços que também atraiam moradores locais. A cidade, com pouco mais de 4.000 habitantes, tem as paisagens naturais como principal atração turística.

No caso de Cristina Bottallo, 56, o negócio já estava nos planos antes mesmo de ela deixar São Paulo rumo a Monte Verde, uma vila do município de Camanducaia (MG), também na Serra da Mantiqueira.

A artista visual já teve ateliês em Santo André, na Grande São Paulo, e na capital paulista, mas nunca viu tanto interesse do público pelas oficinas de arte e pelas peças que ela vende quanto no Espaço de Arte Cristina Bottallo, inaugurado em fevereiro. O terreno conta também com uma cafeteria e quatro chalés para aluguel.

"Sempre acreditei que um lugar turístico seria melhor para mim, porque quando a pessoa está viajando, ela está mais aberta do que em uma cidade grande, no meio de todos os afazeres", afirma.

Cristina Bottallo, 57, durante oficina de arte em seu espaço, inaugurado em fevereiro em Monte Verde (MG) - Folhapress

Outro fator de sucesso é a afinidade dos temas de seus trabalhos —árvores, paisagens e pássaros— com o cenário de montanha presente em Monte Verde, que recebe, em feriados, até 30 mil pessoas.

O contexto da cidade foi determinante também para Ana Vecchio, 52, que criou o Cogumelo Bistrô em 2017 em Visconde de Mauá (RJ). Com clima de floresta e uma cultura ligada a duendes e fadas, o município logo comprou a ideia de um restaurante que destaca o cogumelo como elemento principal das receitas.

Após não gostar da textura do alimento na primeira vez em que o provou, a recifense criada no Rio de Janeiro ficou com vontade de tentar um preparo que a agradasse. "Fritei, cozinhei, assei e acabei inventando um preparo de grelhado com alho e manteiga, como se fosse uma carne", diz.

O embrião do negócio foram degustações feitas no sítio de um produtor de cogumelos de Mauá em 2015. "Começou no palitinho, depois no prato, a gente ajeitou e colocou o pessoal para sentar em mesinhas e logo não tinha mais espaço", conta Ana.

Ana Vecchio, 52, prepara cogumelos em seu restaurante em Penedo (RJ) - Folhapress

Dois anos depois, ela alugou uma casa no centro de uma das vilas da cidade e criou os primeiros pratos. "Coloquei as três mesinhas que eu atendia no sítio e comecei assim do zero. Caiu tanto nas graças do público que sozinha a coisa foi evoluindo."

O dinheiro que entrava possibilitou melhorar a estrutura, formar uma equipe de dez funcionários e criar novas receitas, atualmente vendidas por valores de R$ 63 a R$ 129. O faturamento mensal fica na casa dos R$ 130 mil, mas varia conforme a época do ano.

O crescimento inicial da Fazenda Lano Alto aconteceu de forma parecida: os pastos, o curral, a queijaria e as cabanas de hóspedes foram montados com o dinheiro que começou a entrar pela venda de ingredientes produzidos na região e de experiências relacionadas ao campo.

Paulo Lemos, 42, transformou a fazenda para onde se mudou, em São Luiz do Paraitinga (SP), em fonte de renda com a produção de laticínios - Folhapress

Até então donos de um estúdio de comunicação, Paulo Lemos, 42, e a esposa partiram em 2014 para o terreno que tinham em São Luiz do Paraitinga (SP), de onde continuaram trabalhando. "A gente consumia menos, produzia menos lixo, gastava menos dinheiro, comia melhor; essa mudança de ambiente fez a gente perceber que era o caminho que gostaríamos de seguir", conta.

A migração entre segmentos aconteceu depois que o casal começou a compartilhar aspectos da vida rural em suas redes sociais e percebeu um interesse do público que os acompanhava.

Após algumas empreitadas, a empresa foi reestruturada em 2021 como uma marca de laticínios, que também vende grãos de produtores vizinhos. Pelo site são vendidos produtos que variam entre R$ 9 e R$ 174,80.

Semanalmente, as cerca de 130 entregas vão em sua maioria para consumidores da região metropolitana de São Paulo. Lojas, mercados e empórios são os demais clientes da fazenda, que conta com três funcionários.

Todo o processo de produção dos laticínios é feito dentro da fazenda Lano Alto. Na foto, Paulo faz a escovação do queijo - Folhapress

Eles vendem tudo o que produzem, diz Paulo, que vê uma tendência de crescimento do mercado interessado em produtos artesanais. A meta da Lano Alto é aumentar a ordenha de 150 litros de leite diários para 400 litros por dia até 2026.

Ana Vecchio, do Cogumelo Bistrô, também mira na expansão do negócio. No final de 2023, ela abriu uma segunda unidade do restaurante, em Penedo (RJ), que conta com cinco funcionários e tem como objetivo validar processos e preparos para tornar sua marca uma franquia, que terá foco em cidades menores e seguirá apostando no cardápio como diferencial.

Diferentemente do primeiro bistrô, a nova casa foi montada com um montante obtido em um financiamento, de cerca de R$ 350 mil.

Ambiente do Cogumelo Bistrô em Penedo (RJ) - Folhapress

Nos casos do Serrapasta e do Espaço de Arte Cristina Bottallo, ambos no sul de Minas, os investimentos para as empresas vieram de reservas acumuladas pelas empreendedoras ao longo da vida —e que são fonte de renda complementar enquanto os negócios engatam.

"Ainda estamos ralando para pagar o salário dos cinco funcionários e tudo em que investimos", diz Cristina.

Atualmente, as diárias dos chalés (cerca de R$ 520) são a parte mais constante e significativa da renda mensal do espaço. A arte-educadora dá sete oficinas por semana, que giram em torno de R$ 180 cada uma, e os produtos da loja variam de R$ 30 a R$ 3.000. O café é o que dá menos resultado, mas segue importante para manter o fluxo de pessoas pelo espaço, afirma ela.

Para Salete, do Serrapasta, o fato de não depender apenas do dinheiro do restaurante para sobreviver lhe traz mais liberdade para experimentar, investir e tocar o empreendimento da maneira como deseja.

O cardápio do Serrapasta é todo autoral e sazonal; permanecem nele apenas os pratos queridinhos dos clientes - Folhapress

As quatro empresas ouvidas pela reportagem têm em comum a presença dos proprietários nas operações dos negócios. A maior dificuldade é encontrar mão de obra, problema comumente enfrentado por empreendedores que vão para pequenos municípios, segundo Luiz Pasin, da Unifei. "Cabe ao poder público identificar o surgimento de novas demandas e oportunidades e perceber que a população que vai trabalhar naquele setor precisa ser mais bem preparada."

Segundo ele, ações fundamentais para um negócio fluir em novos locais incluem fazer uma pesquisa de mercado e se planejar financeiramente. "No começo, a curva de amadurecimento é um pouco estendida; então, se a pessoa não tem uma retaguarda para passar essa fase, ela se desespera."

Outro fator é saber separar as contas pessoais e as da empresa. "Sem essa distinção, acaba-se com uma falsa sensação de ganho."

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